sábado, 25 de março de 2023

EFAB⚽LAÇÃO (20) DAS BRUMAS AO ESPLENDOR

 


"Se Roberto Martinez fosse português, provavelmente, não teria feito entrar João Mário em campo a um minuto do fim, em pleno estádio do Sporting - a menos que quisesse humilhar o jogador.
A falta de respeito, ingratidão e clubite de que se queixou o presidente da Federação a propósito deste incidente talvez não sejam sentimentos do cardápio formativo do novo seleccionador de Portugal, não obstante ter nascido na Catalunha com azia inata contra o Estado castelhano.
Humilde, Martinez diz que está a aprender, a conhecer os jogadores, e tem muito poucas e extremamente fugazes oportunidades para descobrir e adoptar ou adaptar.
É interessante ter um treinador estrangeiro que se esforça por aprender português. É curioso ter um líder oriundo de um país de várias nações e com um hino sem palavras a procurar cantar os versos da Portuguesa, mesmo sem base cultural para entender o silogismo entre a heróica e nobre valentia e a sabedoria dos egrégios antepassados, a vitória das “armas” sobre os canhões - esse imortal complexo de inferioridade que nos agiganta.
Roberto Martinez não fazia ideia de que João Mário, o melhor jogador da época em Portugal, era “persona non grata” no “José de Alvalade” e um alvo potencial da frustração clubista que divide o país. E ninguém teve o cuidado de lhe explicar, apesar de a Federação ser hoje um retiro dourado para dezenas de ex-jogadores, a começar pelos adjuntos portugueses que elegeu, Ricardo Carvalho e Ricardo Pereira, que conhecem este assunto a fundo, através de experiências pessoais extremas.
O espanhol aprendeu assim na primeira aula que, em Portugal, um ex-capitão de um clube pode transformar-se em “maçã podre” ou em “traidor” como quem troca de camisa e que a identidade dos clubes é primordial relativamente à da equipa nacional. Já acontecera com João Moutinho, que tinha um passado idêntico e cometera um pecado semelhante, “defraudando” valores materiais e sentimentais aos olhos dos sportinguistas, mas o grau de intolerância sobe em função da cor do clube beneficiário e, eventualmente, também da tez da pele.
O lado “social” deste episódio com João Mário é, apesar de tudo, menos importante do que o “desportivo”.
As múltiplas observações que o espanhol pareceu andar a fazer nos estádios portugueses levaram-no inexplicavelmente a adoptar uma solução táctica igualmente contra-natura, inédita em seleções de Portugal, e a deixar fora da equipa inicial alguns dos jogadores mais determinantes dos jogos a que assistiu, a começar pelo próprio “patrão” do Benfica actual.
Roberto Martinez assume o compromisso de levar a seleção à final do Europeu, num percurso em que defrontará 80 por cento, ou mais, de adversários claramente mais fracos, através de um dispositivo inflacionado de defesas, meio travestidos em jogadores de pressão, mas pelo sacrifício de unidades decisivas no ataque, como Gonçalo Ramos, Diogo Jota ou Rafael Leão.
Depois de falhar uma gestão emocional básica, obrigando a cúpula federativa a sair do seu silencioso sepulcro para sanar o mal-estar criado, e expor-se inexplicavelmente com uma proposta de futebol para equipas pequenas que vai demorar a ser assimilado por jogadores e adeptos - só pode melhorar. Pelo menos, terá entendido a charada sobre a liderança que se propõe cantar antes de cada jogo, igualmente uma metáfora para o futuro de João Mário: das brumas das más memórias ao esplendor das grandes vitórias."

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