segunda-feira, 8 de julho de 2024

O A a Z DO EURO 2024

 


Onde se fala das proezas de Diogo Costa que imitou Ricardo, da superação de Pepe, da excelência de Vitinha, do abençoado futebol de rua de Leão, dos 364 minutos a seco de Portugal, do ótimo Soares Dias, de Martínez que passou com Suficiente, do ódio de Bernardo Silva ao desempate por penáltis em 2023/24 e de Cristiano que quer e já não pode. É tempo da festa de despedida…

A
Alemanha-2024 — Não é em vão que se diz que os Europeus são mais difíceis que os Mundiais. São-no, pelos menos, na fase de grupos, onde o equilíbrio é maior. As equipas do Velho Continente aprenderam a arte da organização, são capazes de maximizar recursos e fazer das fraquezas forças. E já é possível decretar como extintos os chamados bombos da festa, que só viam no acesso às fases finais um ponto de chegada e nunca um ponto de partida.
B
Bernardo Silva — O playmaker lusitano, tal como o seu companheiro Rúben Dias, acaba a época com um profundo ódio ao desempate por pontapés da marca de grande penalidade. Mas o ódio de Bernardo ainda será mais profundo. Ao serviço do Manchester City, foi dos onze metros que perdeu a possibilidade de defender o título de campeão europeu, ao ser derrotado, no desempate, pelo Real Madrid, após dois empates, por 1-1 e 3-3, com a agravante de o médio português ter falhado um dos penáltis. Na Alemanha, apesar de ter feito a sua parte, ao marcar contra a Eslovénia e a França, acabou por ver-se afastado das meias-finais do Euro, também dos onze metros. É como os alcatruzes da nora, umas vezes por cima, outras por baixo.
C
Cristiano Ronaldo — Foi a figura mais mediática da competição. E só. A Portugal nada acrescentou, limitando o recurso a diversas opções que a riqueza do plantel lusitano constantemente sugeria. Vamos ser absolutamente claros? Ok, então vamos lá a esse penoso exercício. O avançado do Al-Nassr é capaz de oferecer produtos gourmet como o golo que marcou à Irlanda, em Aveiro, ao minuto 50 do último jogo de preparação, mas deixou de fornecer refeições. É ele que se alimenta da Seleção, enquanto que nas últimas duas décadas foi a Seleção a alimentar-se dele. Estarei a ser ingrato ao dizer que o Rei vai nu? Não sei, pelo menos é assim que me sinto ao fazê-lo. Mas, ao dia de hoje, Cristiano Ronaldo é, para a Seleção Nacional, um problema e não uma solução, e o melhor que podia acontecer era que caísse nele e anunciasse que depois de 21 anos de Quinas ao peito, 212 jogos e 130 golos, tinha chegado o momento de passar a ser um de nós, dos que torcem por fora por Portugal. Porque se não o fizer, terá de haver quem o faça por ele. Pelé e Cruyff souberam sair, Maradona, infelizmente, foi traído pelo vício e Messi sairá em tempo útil. Será uma pena se CR7 falhar o timing, embora nada apague tudo o que lhe devemos. Mas… obrigado e adeus.
D
Diogo Costa — Não sei se foi dos ares de Marienfeld, não sei se foi da companhia de Ricardo, mas a verdade é que o guarda-redes do FC Porto fez um belíssimo Europeu, do qual sai muito valorizado, com dois highlights: o primeiro quando defendeu de forma soberba, com o pé que tinha mais à mão, qual keeper de andebol, um remate de Sesko, com selo de golo, à beira do fim do jogo com a Eslovénia. O segundo, ao parar, na mesma partida, três penáltis no desempate da marca dos onze metros, igualando em Frankfurt a proeza conseguida 18 anos antes em Gelsenkirschen por Ricardo, seu atual treinador na Seleção, que defendeu três penáltis da Inglaterra, no desempate do Mundial de 2006.
E
Espanha — Muito interessante a mistura geracional que junta jovens turcos, jogadores no auge e veteranos dentro do prazo de validade que, todos juntos, formam uma bela equipa, atrevida e solidária.
F
França — Já tínhamos sido eliminados pela França no tempo regulamentar (2006), no prolongamento (1984), no prolongamento com morte súbita (2000), mas nunca nos penáltis. Foi agora. O que vale é que teremos sempre Éder e a noite de 10 de julho de 2016…
G
Gomes, Fernando — O presidente da FPF despede-se das grandes competições internacionais de seleções com uma presença nos quartos de final de um Campeonato da Europa (perdida no desempate dos onze metros contra aquela que muito provavelmente é a melhor equipa nacional do planeta, depois de uma partida muito bem conseguida). Porém, dos 12 anos que leva à frente da FPF, para lá das conquistas do Euro-2016 e da Liga das Nações de 2019, expoentes máximos, no âmbito desportivo, da turma das Quinas, desde que iniciou atividade, em 1921, deixa como legado a Cidade do Futebol, infraestrutura de primeiro mundo que será sempre polo de desenvolvimento das seleções, da arbitragem e do dirigismo, além de colocar a fasquia muito alta para quem vier a suceder-lhe. Parte agora para a vice-presidência da FIFA com a consciência do dever cumprido. O futebol português, neste País normalmente ingrato — não é por acaso que a última palavra dos Lusíadas é inveja — deve curvar-se perante a excelência da sua herança.
H
Hjulmand — O médio do Sporting afirmou-se na seleção da Dinamarca e passou a estar, sendo visto com outros olhos, no radar de equipas com grande capacidade financeira. Trata-se de um projeto de jogador interessante, embora inacabado, que deverá moderar o ímpeto com que aborda os adversários, para subir alguns patamares na bolsa de valores do futebol. Trabalho para Rúben Amorim.
I
Itália — Vá lá perceber-se estes italianos. Falharam os mundiais da Rússia e do Catar, coisa que nos dias que correm não é nada fácil, pelo meio foram a Inglaterra bater os anfitriões na final e sucederem a Portugal como campeões da Europa e quando foram chamados a defender o cetro limitaram-se a uma saída triste e envergonhada pela porta dos fundos. Um caso de estudo.
J
João Félix — Há 12 anos, na Donbass Arena, em Donetsk, hoje palco de guerra, a fava de falhar o penálti no desempate com a Espanha (que viria a sagrar-se campeã), nas meias-finais do Euro-2012, tocou a Bruno Alves. Desta feita foi João Félix a acertar na moldura, uma dor que há de persegui-lo até ao fim dos dias. Como agora já não há remédio, Félix vai ter de aprender a viver com essa dor, como fizeram, em circunstâncias ainda mais dramáticas, Baggio, Hoeness ou Trezeguet…
K
Kvaratskhella — O avançado do Nápoles, de 23 anos, autor do primeiro golo da Geórgia a Portugal na derrota lusa por 2-0, fica associado àquele que terá sido o resultado mais desprestigiante da Seleção Nacional em fases finais de grandes competições internacionais.
L
Leão, Rafael — Um grande Europeu de um jogador que não se deixou espartilhar pelos estereótipos táticos (embora não deixasse de defender, apoiando Nuno Mendes, especialmente no jogo com a França), e continua a espalhar o perfume de um futebol que a cada momento tem o condão de surpreender e entusiasmar. Pena foi que a presença portuguesa na área fosse inofensiva e desaproveitasse as inúmeras assistências que saíram do seu pé esquerdo.
M
Mikel Merino — O médio basco, que atua na Real Sociedad, marcou à Alemanha, ao minuto 118 do prolongamento, um dos melhores golos de cabeça que vi na vida. Correspondendo a um grande cruzamento de Dani Olmo, Merino foi poesia em movimento, na impulsão, na forma como parou no ar, na beleza plástica do gesto de rodar o tronco para impulsionar a cabeça e bater inapelavelmente Manuel Neuer. Quem não viu, vá ver. E veja as repetições, também. Vale a pena.
N
Nélson Semedo — Chegou ao Europeu na melhor forma de sempre. Entrou sempre bem e só não fez mais porque a concorrência era realmente fortíssima…
O
Oportunidades — Francisco Conceição foi, dos novos, aquele que mais se afirmou como jogador de Seleção. Irreverente e descomplexado, foi o agitador de que Portugal precisava do lado direito contra a França. Já Gonçalo Ramos merecia mais tempo. E a equipa também tinha ganho muito com isso…
P
Pepe — Confesso que quando vi as dificuldades por que Pepe passou na luta contra Sesko no jogo com a Eslovénia (que me fez lembrar o duelo com Gyokeres, em Alvalade) perguntei aos meus botões se não seria mais avisado optar por Danilo na partida com os gauleses. Afinal, Pepe não só apareceu fisicamente recuperado, como mostrou a fibra de que é feito, ao ir para além dos limites, honrando a camisola que vestiu em 11.566 minutos. Para Pepe, português como eu, ele de Maceió, eu de Lisboa, só tenho uma palavra: obrigado. Por tudo o que fez pelo nosso País.
Q
Quimera — Portugal, em 2024, caiu nos penáltis nos quartos de final contra a França, em Hamburgo, enquanto em 2016 ultrapassou a Polónia, em Marselha, nos quartos de final, também no desempate por penáltis, na noite em que Ronaldo incentivou Moutinho antes de ele se encaminhar para a marca dos onze metros, com a famosa frase, «vai João, tu bates bem, agora é com Deus…»
R
Roberto Martínez — Com o técnico espanhol, Portugal só caiu diante da França, e no detalhe dos penáltis. E foi contra os gauleses, que provavelmente têm a Seleção mais forte do mundo, que a turma das Quinas fez a sua melhor exibição no Euro-2024. Depois de passear por um grupo de apuramento declaradamente fácil, Martinez, que tem feito um esforço notável de integração nos nossos usos e costumes, não conseguiu passar para a opinião pública outra imagem que não fosse a de um técnico sensível ao peso específico de cada jogador dentro do balneário, e não daqueles que são menos gestores e mais treinadores e cortam a direito. Seguem-se a Liga das Nações e o apuramento para o Mundial, onde ou Martinez renova o que há para renovar, ou perde a oportunidade de ficar na história do futebol português.
S
Soares Dias — O árbitro do Porto fez um excelente Europeu (de parabéns também Tiago Martins, Paulo Soares e Pedro Ribeiro) e foi com surpresa e desilusão que se verificou a injustiça de não ter ido mais longe na prova. De qualquer forma, estivemos perante um desempenho ao nível do melhor que Portugal já apresentou nas grandes competições internacionais. Quase a fazer 45 anos, que rumo quererá dar à sua carreira, é a questão que se coloca…
T
Trubin, Anatoly — Não parecia fácil, perante a época de Lunin no Real Madrid, tirar-lhe o lugar, mas o guarda-redes do Benfica aproveitou a oportunidade após a derrota da Ucrânia frente à Roménia (3-0), e arrancou duas exibições magistrais contra Bélgica e Eslováquia, que apuraram o país-mártir e o colocaram no radar dos grandes da Europa, deixando o Benfica de sobreaviso quanto a uma eventual investida estrangeira.
U
UEFA — Grandes organizações, competições lucrativas (de Seleções e clubes) e uma eventual Superliga cada vez com menos hipóteses de singrar. O Europeu da Alemanha está a ser um bálsamo para Nyon.
V
Vitinha — Afinal, os elogios que ouviu de Luís Enrique não eram contra Mbapée. O médio português cresceu muito e foi, ao longo do Europeu, o principal dinamizador da equipa de Portugal, que piorou de cada vez que Roberto Martinez o substituiu. Um jogador que ataca e defende, transporta a bola e também a mete longe e ainda é capaz de uma boa meia distância vale o seu peso em ouro. Como é o caso de Vitinha, o elo mais forte de Portugal na Alemanha, a par de Diogo Costa.
W
Wilker Angel — Mais ou menos à mesma hora em que João Félix, em Hamburgo, falhava o penálti contra a França, o mesmo sucedia, no Texas, ao venezuelano Wilker Angel, que joga nos brasileiros dos Criciúma, entregando, no desempate dos onze metros, a meia-final da Copa América ao Canadá.
X
Xenofobia — Tem sido intenso, constante e profícuo o contributo do futebol contra este flagelo. Com resultados positivos.
Y
Yamal, Lamine — A uma semana de cumprir 17 anos, não há como dizê-lo de outra forma: Lamine Yamal é um fenómeno. Um fenómeno de talento, de desinibição, de maturidade, de ambição e de classe pura. Com ele a Espanha é perigosa à direita e abre caminho para que Nico Williams possa sê-lo à esquerda. Porque um pássaro sem asas não voa…
Z
Zero — Vamos a contas: na fase de qualificação, Portugal marcou um golo a cada 24 minutos e 20 segundos. No Euro-2024 Portugal não conseguiu marcar qualquer golo nos últimos 364 minutos que jogou. Se aqui não estiver matéria não só de reflexão, mas essencialmente para decisões de quem de direito, não sei que outros argumentos serão precisos. Estes são por demais gritantes e eloquentes…

José Manuel Delgado, in a Bola

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