sábado, 31 de maio de 2025

BENFICA GRITA, SPORTING CALA-SE E O DESPORTO PERDE

 


O comportamento violento de Matheus Reis sobre Andrea Belotti tem sido alvo das mais variadas análises e contestações. Hesitei em abordar o tema, normalmente tendo a escolher o menos óbvio, mas este artigo contraria exatamente essa tendência e, sim, vou falar do tema quente do momento.

Este artigo procura então compreender o comportamento de Matheus Reis (e reforço como tantas vezes tenho feito, compreender não é sinónimo de aceitar), bem como tudo o que tem acontecido desde então. O comportamento violento de Matheus Reis insere-se claramente no domínio da agressão hostil – aquela que é movida por uma intenção de causar dano físico imediato, desencadeada por uma resposta emocional intensa, neste caso, frustração.
No contexto de um jogo de elevada carga emocional como uma final, onde os atletas vivem num estado de constante ativação e onde a derrota representa mais do que apenas um resultado, mas também uma ferida no ego, os limites do autocontrolo ficam mais ténues. A equipa perdia, o tempo escasseava, e a perceção de injustiça provocada pelo antijogo levado a cabo pelos jogadores do Benfica aumentava a tensão emocional.
Segundo a teoria da frustração-agressão, quando um objetivo desejado (neste caso, a vitória) é continuamente bloqueado, o indivíduo acumula tensão, que pode transbordar em atos deliberados de violência e foi exatamente a isso que assistimos.
Apesar deste comportamento ser menos racional e mais impulsivo, e, como tal, dificilmente de ser prevenido apenas com punições ou medidas disciplinares tradicionais, isto não implica que deve passar em branco, muito pelo contrário. Quando comportamentos violentos são tolerados, minimizados ou até glorificados (como frequentemente acontece no desporto e já assistimos a outros momentos iguais no passado), os atletas percecionam uma margem de impunidade. Se um jogador observa que colegas ou adversários são violentos e pouco ou nada lhes acontece, pode incorporar esse comportamento como legítimo, sobretudo num momento de frustração.
Se o comportamento de Matheus Reis não for punido de forma exemplar e publicamente clara, o risco é que outros o imitem, legitimando um ciclo de violência por modelagem, o que não é uma novidade. Neste sentido a punição disciplinar deve ser exemplar não só para o atleta em si, mas como uma medida pedagógica mais ampla. Contudo, esta atuação rigorosa desejada não poderá cingir-se apenas a este caso por ter repercussões mediáticas, sobretudo por se tratar de uma final, não para servir de modelo, mas sim de alerta para futuros comportamentos igualmente violentos.
Adicionalmente, a frustração não é desculpa, mas é explicação. E, para prevenir estas situações, é necessário intervir a montante: educar para a regulação emocional e promover estratégias de coping eficazes em situações de alta pressão competitiva.
Na minha opinião, o Sporting já deveria ter vindo a público manifestar-se sobre a conduta de Matheus Reis, não apenas como forma de distanciamento institucional do ato violento em causa, mas sobretudo para reafirmar os valores que o clube diz defender. O silêncio neste tipo de situações é altamente prejudicial, pois pode ser interpretado como tolerância ou, pior ainda, como cumplicidade passiva.
Ao não se pronunciar, o clube perde uma oportunidade clara de educar os seus atletas, adeptos e a sociedade em geral, transmitindo a mensagem de que comportamentos antidesportivos e agressões não representam – nem nunca poderão representar – os princípios que devem nortear uma instituição com a sua história e responsabilidade social.
Por outro lado, o Benfica tem expressado de forma veemente a sua indignação e repúdio por este comportamento violento, atitude que, na minha perspetiva, tem sido comunicada de forma exagerada. Este tipo de reação pode ser interpretado de duas formas distintas. Por um lado, poderá tratar-se de uma manifestação reativa à frustração acumulada, onde os comunicados oficiais, queixas e sucessivas retaliações funcionam como válvula de escape emocional. Uma agressividade simbólica que reflete a tensão interna de uma época desportiva claramente abaixo das expectativas.
Por outro lado, esta postura poderá ser também lida como uma estratégia de comunicação muito bem delineada. Ao dramatizar e prolongar mediaticamente o incidente, transformando este episódio num catalisador de união emocional, o Benfica consegue mobilizar os seus adeptos e sócios em torno de um inimigo comum, criando um efeito de coesão interna que desvia atenções de temas potencialmente mais sensíveis. Entre eles, questões como a avaliação do desempenho da equipa ao longo da época, os insucessos nas competições, as futuras eleições ou ainda a continuidade do treinador Bruno Lage.
Este tipo de narrativa de confronto externo é frequentemente utilizado em contextos de crise para reorientar o discurso público e proteger a liderança, criando um campo discursivo onde a identidade e a emoção prevalecem sobre a análise racional do insucesso. Assim, aquilo que à superfície parece apenas indignação legítima, pode também traduzir uma operação calculada de gestão de danos e reposicionamento institucional.
Uma coisa é certa, se queremos que o desporto continue a ser um instrumento de formação ética e social, então, atos como este não podem passar impunes e não podemos manifestar a nossa indignação apenas quando a sua impunidade não nos beneficia a nós. Infelizmente este não é um ato isolado, é um sintoma de uma cultura desportiva que, em muitos momentos, continua a tolerar e até a valorizar a violência.
Liliana Pitacho, in a Bola

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