sexta-feira, 31 de outubro de 2025

AS ELEIÇÕES DO BENFICA E O DESCONTENTAMENTO FIEL



 A primeira volta das eleições no Sport Lisboa e Benfica revelou-nos muito, mas acima de tudo um dado que merece reflexão: apesar das críticas, da contestação e da aparente esperança de parte da massa adepta numa alternativa, quem ficou em vantagem foi Rui Costa. O resultado obrigará a uma segunda volta, e, salvo um acontecimento extraordinário, a psicologia do comportamento coletivo aponta para a manutenção dessa vantagem por Rui Costa.

Este não é um artigo que pretenda analisar os resultados das eleições em si, ou a competência ou não competência dos candidatos, nem sequer indicar a melhor alternativa para clube, trata-se apenas de uma análise sobre comportamento. E o comportamento coletivo dos sócios benfiquistas confirma algo que a psicologia há muito estuda: a mudança custa. Mesmo quando há descontentamento, mesmo quando há falhas identificadas, mesmo quando existem alternativas formais, a opção pela mudança apenas ocorre quando se juntam dois elementos: uma crise intensa e uma alternativa de líder carismática capaz de mover as massas.
Rui Costa lidera a Direção e, apesar das críticas sobre a gestão e resultados desportivos, na hora de votar os sócios bateram recordes de participação e aparentemente a tendência poderá ditar a continuidade.
A psicologia explica. E explica bem. O ser humano tem aversão à perda e tendencialmente procura conforto no conhecido. A teoria da aversão à perda, amplamente estudada por Daniel Kahneman, mostra que as pessoas preferem não perder o que já têm do que ganhar algo novo e potencialmente melhor. Esta tendência conservadora não se baseia apenas em lógica racional, mas num instinto emocional profundo. A liderança de Rui Costa, ainda que criticada, representa uma zona de conforto emocional. É o conhecido. Noronha Lopes, por oposição, representa o incerto, e o nosso cérebro não gosta de incertezas.
Por outro lado, não podemos desconectar as eleições do contexto e, estrategicamente em tempo útil, Rui Costa mudou de treinador e não escolheu um qualquer, escolheu José Mourinho. A substituição de Bruno Lage por um dos treinadores mais carismáticos e reputados do futebol mundial alterou completamente o cenário simbólico. Esta decisão teve um impacto emocional evidente, devolveu esperança, mudou o foco da crítica e criou um novo vínculo emocional com os sócios. Do ponto de vista psicológico, esta jogada foi um exemplo claro da utilização do viés de recência: os acontecimentos mais recentes têm mais peso na decisão do que os mais antigos. A chegada de Mourinho, mesmo sem ainda resultados práticos, ativou o imaginário coletivo e reposicionou Rui Costa como agente de mudança, ainda que sem mudar de rosto. Ou seja, este movimento desportivo, mas também estratégico, atenuou qualquer contexto de crise que pudesse estar a emergir.
Adicionalmente, a tomada de decisão sobre a não mudança não se dá apenas pelo contexto, mas também pela alternativa ou falta de uma alternativa mobilizadora como pareceu ser o caso. Os candidatos eram muitos, mas em abono da verdade, com exceção de Luís Filipe Vieira, que já tinha um passado com história (para o bem e para o mal), nenhum dos candidatos apresentava um perfil de liderança carismático capaz de mobilizar massas em prol de uma mudança. A teoria do carisma, proposta por Max Weber, descreve o líder carismático como alguém que inspira, agrega e impulsiona. E a verdade é que a figura vista como potencial alternativa, Noronha Lopes, não conseguiu esse efeito. Começou forte, mas ao longo da campanha e na proximidade às urnas foi reunindo sobre si alguma desconfiança. A política também vive de perceção, e a perceção de falta de clareza ou de consistência compromete a confiança. E a confiança é a base da mudança.
A segunda volta trará um novo momento de decisão, mas a não ser que Noronha Lopes consiga, num curto espaço de tempo, transformar a sua imagem, inspirar confiança e criar uma conexão emocional com os sócios, tudo indica que o desfecho será a confirmação da continuidade.
A grande lição deste processo eleitoral é clara: mesmo quando há vontade de mudança, ela só acontece se for acompanhada de segurança emocional, confiança e identificação simbólica. Caso contrário, para o ser humano, o descontentamento é mais tolerável do que o salto para o desconhecido.
Liliana Pitacho, in a Bola

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