Primeira
1. Nasceu em 2016 e foi aprovado, por unanimidade, em 2018. É caso para dizer, foi chegar, ver e vencer. A introdução do VAR é, provavelmente, a maior alteração já realizada na história do futebol.
Há muito que a limitação humana estava sufocada pelo crescimento vertiginoso dos diferentes meios de escrutínio. A criação deste sistema foi a resposta perfeita a tamanho condicionamento. O jogo já precisava e os árbitros já mereciam.
Segunda
2. Esqueçamos a utilidade da ferramenta e foquemos em quem a utiliza. Em que a opera.
Apesar da função de VAR ser actualmente desempenhada por árbitros, a verdade é que é uma missão totalmente diferente, que requer competências distintas.
O juiz de campo dirige um jogo dinâmico, intenso e veloz. Um jogo com adrenalina, stress físico e emotividade constantes. Um jogo onde cada decisão está limitada ao instantâneo que retém, de determinado ângulo, em determinado momento. Os homens que ajuízam em sala não.
Estão confortavelmente sentados em frente a vários écrans, sem cansaço nem visão limitada. Têm meios privilegiados, imagens ampliadas e repetições sucessivas.
No entanto, a análise técnica exige-lhe distanciamento terreno e pragmatismo absoluto. Percepção televisiva do jogo. Foco generalizado.
Em termos humanos, requer velocidade de raciocínio e reacção, segurança e confiança. O bom VAR tem que ter personalidade forte e coragem para intervir no momento oportuno, de forma clara e assertiva.
Os árbitros são pessoas com características diferentes entre si. Alguns conseguirão balizar as suas funções e vestir, em cada uma, o traje mais adequado. Outros não.
Como em tudo na vida, há que filtrar. Há que começar a seleccionar os que têm mais vocação e afastar os que têm menor sensibilidade para a função.
A carreira, específica de VAR será inevitável a curto prazo. A sua especialização fará com que apenas os mais aptos possam exercer a função, para bem do jogo.
Terceira
3. Os árbitros devem assegurar a verdade desportiva. São, portanto, um meio que garante um fim.
Quando uma partida termina com excelentes decisões, a equipa de arbitragem tem que ser elogiada. Não penalizada. Nunca penalizada.
O que hoje acontece não privilegia esse princípio: os árbitros que alterem uma decisão errada por outra claramente correcta, garantindo justiça, são punidos na sua avaliação.
Este principio - que existe em vários modelos avaliativos de arbitragem - está desajustado, inibe o subconsciente do decisor e afecta indirectamente a sua capacidade/vontade de alterar decisões.
O prejuízo na nota não pode ser mais importante do que o prejuízo do jogo. Isso subverte aquilo que, na verdade, fundamentou a introdução de videotecnologia: a possibilidade de rectificar decisões difíceis em tempo real.
A equipa de arbitragem é um todo e funciona como tal. Quando a decisão final do todo é boa, a avaliação também tem que ser.
Neste momento, o mais certo é que um árbitro que seja unanimemente elogiado por ter revisto, com sucesso, duas ou três situações de jogo... é punido individualmente por cada uma dessas opções. Fará sentido?!?
Um sistema de avaliação justo não pode punir quem te a coragem, dignidade e humildade de trocar um erro pelo acerto. De transformar a injustiça em justiça.
Criar um processo avaliativo é algo que dá muito trabalho e que jamais colherá consensos, mas há uma premissa básica que nunca deve ser desvirtuada: premiar o acerto, não o pontual mais o global.
É o que o futebol espera.
Em ano de testes e para bem da verdade do jogo, esta é uma situação que deve ser equacionada e revista com urgência."
Duarte Gomes, in A Bola
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