quarta-feira, 7 de março de 2018

DOIS CANDIDATOS E MEIO


"É verdade que granjeou estatuto de grande 'mister' enquanto esteva na Luz, mas será que Jorge Jesus conseguirá, algum dia, ser campeão fora do Benfica?

Quando faltam realizar nove jornadas para completar o campeonato admito que haja adeptos leoninos ainda esperançados em ver o Sporting campeão. Porque é um cenário possível, como teve o cuidado de referir Sérgio Conceição, antes e depois do clássico.
Posição aconselhada ao treinador portista por sábia prudência. Em rigor, sobram 27 pontos por discutir, mas se nas rondas disputadas ninguém foi capaz de bater o líder da classificação, será improvável que este, no tempo que falta, acumule três derrotas e, em contraposição, Jesus consiga uma ponta final imaculada, cem por cento vitoriosa.
No entanto, nem assim o título poderá sorrir ao emblema de Alvalade, na medida em que, a partir de agora, Jesus vê-se igualmente obrigado a rectificar o discurso quando olhar para cima. Além de passar a ver dois em vez de um, como repetida e vaidosamente tem alardeado, deixa também de fazer sentido a sua retórica sobre a arte de bem jogar. São os números que o dizem. Ficou sozinho no terceiro lugar. Contra os 49 golos marcados e 16 sofridos (+33) pela sua equipa, o FC Porto apresenta 68-13 (+55), o Benfica 67-16 (+51). Até o SC Braga (55) marca mais golos do que o Sporting.

Em vez de três candidatos, depois do jogo no Dragão passou a haver dois e meio, atribuindo-se esta metade ao Sporting em razão das circunstâncias de quem ficou a enxergar mal o primeiro lugar e passou a balançar entre o segundo (que é o Benfica) e o quarto (que pertence ao Braga).
Aquelas diferenças entre golos marcados e sofridos são esclarecedoras e espelham a realidade. Apenas se deu o caso de, estranhamente, Rui Vitória ter dado meia volta de avanço ao arrepio das expectativas dos seus adeptos, entusiasmados pela hipótese de proeza desportiva inédita na história do clube, o penta, agora iniludivelmente distante.
Excluído esse nebuloso período exibicional da águia não foi preciso esperar muito para verificar que o título da presente temporada, à semelhança do anterior, voltaria a concentrar-se numa discussão Benfica - Porto.
Será, então que valeu a pena ao Sporting ter suscitado tamanha barulheira com o roubo do treinador ao Benfica? As dúvidas acumulam-se, como os resultados dão a entender, mas, sobretudo, por causa do bruto contrato que lhe é devido a troco de quase nada em termos de conquistas.

Uma Supertaça e uma Taça da Liga representam coisa pouca quando comparadas com o investimento feito em revolução dispendiosa. Embora não completamente falhada, porém. Basta que, depois de na praça pública ter colocado o presidente entre a espada e a parede ao afirmar que ou lhe dava prendas natalícias ou teriam de ser riscados alvos do projecto, Jesus tenha coragem de proclamar a candidatura leonina ao triunfo na Liga Europa. Com a clareza de quem deve sentir-se obrigado a acreditar na qualidade do plantel que o clube lhe permitiu formar. Que assuma essa pretensão de uma forma inequívoca e não com os rodeios, os ses e os autoelogios com que o tem feito.
Não é nada contra Jesus. Faço esta chamada de atenção só para elucidar os autores de recados taberneiros nas ditas redes sociais.
Pretendo, tão somente, sublinhar uma distorção que para mim constitui indecifrável mistério: continuar a ouvir gente próxima do Sporting estabelecer uma ponte entre a contratação de Jesus e a falência imaginária que ela terá provocado no vizinho da Segunda Circular, sem haver o cuidado de reflectir sobre uma questão que é básica. Isto é, ao contratar Jesus, será que o Sporting prejudicou o Benfica ou, pelo contrário, livrou-o de um estorvo desportivo e financeiramente insuportável?
Como já escrevi, entendo que lhe resolveu um problema: Jesus saiu da Luz e o Benfica foi campeão sem ele; Jesus entrou em Alvalade e, em terceira época, o Sporting ainda não foi campeão com ele.

Em seis anos de trabalho no Benfica Jesus ganhou três campeonatos e perdeu três, não tendo o Sporting acautelado as consequências da sua decisão nem avaliado como devia o porquê das diferenças entre as duas faces do mesmo treinador: a que ganha e a que perde.
Quando chegou à Luz, na sequência de conjuntar especialíssima, não registava títulos no seu currículo. É verdade que granjeou estatuto de grande misterenquanto lá esteve, mas permito-me terminar com uma pergunta: será que Jorge Jesus conseguirá, algum dia, ser campeão fora do Benfica?
Não tenho a resposta, mas tenho uma ideia."

Fernando Guerra, in A Bola

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