quinta-feira, 18 de junho de 2020

WEIGL, O FARMACÊUTICO

"Sejam bem vindos a mais um episódio de Bruno Lage: For Better or Worse. Série inspirada no excelente documentário da colecção 30 for 30 dedicado a Dennis Rodman, no qual, já perto do final, somos convidados a fechar os olhos e a imaginarmo-nos no céu, acima de todas as nuvens, do daily-grind e de todos os temores humanos. E se Rodman, a dada altura aí esteve, também Bruno Lage subiu ao céu de forma fantástica e (teremos que o dizer) inesperada. Ainda que não entrando no stunt de se vestir de noiva, Lage experimentou que, ganhando, bem pode dizer o que lhe apetece, como lhe apetece e, mais importante, fazer no onze, ou na estratégia as alterações que lhe apetecerem. Mas, tal qual a inesperada cavalgada até ao céu, também a descida foi retumbante. Longe de esperar tal cambalhota emocional, Lage entrou na época com a onda vermelha em grande efusividade. Mas mal ele sabia que tudo o que disse e, mais importante, tudo o que fez se haveria de virar contra ele. Na hora dos dez jogos sem conquistar o esperado, a outra face da moeda do sucesso (que outrora enalteceria até Lage vestido de noiva numa conferência de imprensa) desta feita criticaria tudo o que mexe. A postura, o fato-de-treino, o discurso, os jogadores, a estratégia. No meio do turbilhão, Bruno Lage soube esperar por Weigl no Estádio dos Arcos e por uma vitória que lhe tira o bafo do tsunami encarnado de cima. Até ao próximo jogo.
Mas para lá chegar, Bruno Lage experienciou novamente que esticar este Benfica para meter fortemente a mão no jogo e segurá-lo é bastante difícil. Olhe-se para o Rio Ave-Benfica como exercício disso mesmo e repare-se que o técnico é contra o que se passou na segunda metade do jogo de Portimão. E qualquer pessoa que se dedique ao futebol (até só como adepto) também o seria. Mas o Benfica recuar linhas para se defender de não conseguir retirar dividendos de pressionar as saídas-de-bolas adversárias já é um filme bem antigo. Lage garantiu-o na antevisão e levou a ideia para os Arcos. O Benfica aparecia esticado e a não querer recuar, e o resultado foi o Rio Ave a conseguir encontrar soluções para mandar no jogo. Saíndo curto e passando (umas vezes facilmente, outras com tumulto) pelas linhas (imaginárias) que o Benfica desenhava, Carvalhal viu o seu plano levar vantagem ao do seu outrora sidekick de Sheffield e Swansea. Para lá chegar, Carlos arrisca e viu, por isso mesmo, o Benfica chegar às (únicas) oportunidades por aí (alguns roubos de bola no meio-campo ofensivo) mas o lado positivo da moeda ofereceu minutos de grande controle rioavista, numa demonstração de personalidade que o 523 defensivo aguentava, e o seu 343 ofensivo criava.
Taarabt cria a partir da linha o ‘golo’ que Rafa veria anulado aos 42′
Um berbicacho que, com o golo de Taremi a carimbar o positivo momento dos da casa, previa mais uma descida de Lage ao inferno das expectativas encarnadas. E dizemos expectativas porque o que cria a frustração é exactamente a realidade não as acompanhar. E por alguma razão, na cabeça da maioria dos benfiquistas, anda a perigosa ideia de que o Benfica é rei e senhor do futebol em Portugal e que por causa dessa hierarquia artificial não pode ter momentos menos positivos. Pois bem, à custa disso qualquer crise de resultados na Luz se tem prolongado até levar o treinador. Se com Rui Vitória o desconforto passou da mente às bancadas depois de uma derrota em Amsterdão, com Bruno Lage a onda deixou de lhe dar a mão depois da derrota com o FC Porto em casa. Estava criada a dúvida, estava feita a ponte para a contestação e a fenda por onde os jogadores haveriam de passar a duvidar de si próprios, trocando o caminho positivo feito na época anterior, para uma inacreditável espiral negativa que (pelo menos em termos de resultados negativos) encontrou pausa, esta quarta-feira em Vila do Conde.
Rio Ave não abdicou dos 5 defesas após a expulsão. Algo que não impediu o golo de Seferovic

E se a confiança exacerbada que fez os jogadores parecerem super-heróis, e Lage um génio que podia fazer o que lhe apetecesse, fosse de repende trocada por uma dúvida existencial que hiperboliza falhas que afinal já existiam? Assim, está hoje evidente que nem no céu, nem no inferno. O Benfica, desculpem, não só não era a oitava maravilha, como hoje não será uma equipa que não consegue mandar na maioria dos jogos que joga, seja por incapacidade física, seja por incapacidade nos duelos, seja pelas escolhas dos jogadores que tanto irritam os adeptos (quando se perde, os que não jogaram são sempre os melhores). O Benfica de Lage continua com muito para se ver do ponto de vista estratégico e com mudanças de jogo para jogo (mais gente à frente na zona defensiva nos cantos; Taarabt a descair para a ala servir entradas na área) mas o estado mental, emocional e físico dos jogadores tanto hiperbolizará um bom momento, como um mau. E este mau momento do Benfica teve, pelo menos, uma pausa quando Musrati foi expulso por acumulação de amarelos (63′). Num esforço de domínio (sim, é sempre assim com este Benfica) que já havia começado no reatar, o golo de Seferovic (depois de boa combinação de Gabriel com Nuno Tavares) fez acender uma chama que o 531 (com dez) e o 431 (já com nove e com a linha média a dançar) do Rio Ave não haveriam de poder resistir. Foi Weigl, o farmacêutico, que transformou o ‘H1N1 Gripe do Ave’ numa estirpe bem mais controlável – o H1N2 – que permite aos encarnados apanharem um adversário que se esqueceu do Tamiflu noutro aviário.
Rio Ave-Benfica, 1-2 (Tahremi 27′; Seferovic 64′ e Weigl 87′)"

Sem comentários:

Enviar um comentário