"Primeiro aniversário do Estádio da Luz. Festa que entusiasmou o público presente terminada com um jogo entre Benfica e Valência com vitória encarnada por 3-2. Apesar das baixas, os encarnados foram uma equipa de grande qualidade.
O Benfica estava em festa. Festa bonita, merecida: primeiro aniversário do Estádio da Luz. 'Magnífica demonstração de vitalidade evidenciada pelo clube das águias quando os espectadores puderem admirar, embevecidos, a esplêndida demonstração do seu trabalho em profundidade com a apresentação das várias classes de ginástica com bem mais de meio milhar de praticantes de ambos os sexos - crianças e adultos. Foi, sem dúvida, um aperitivo de excelente qualidade, e o número qualificativo de grandeza do clube que festejava o primeiro ano de uma obra gigantesca e admirável', embasbacava-se quem assistiu a tudo em directo, nesse dia 1 de Dezembro de 1955.
Claro que, em festas com esta, depois da demonstração das modalidades, há sempre uma piéce de résistance, isto é, um jogo de futebol que os adeptos pura e simplesmente não dispensam. Avançou o Valência, convidado especial. O futebol praticado foi do quilé! Jogo vivo, entusiasmante, com atributos técnicos de deixar muita gente de queixo caído, a embater no pescoço, e uma baba bovina a escorrer pelos cantos da boca, como gostava de dizer o grande cronista brasileiro Nelson Rodrigues.
Faltava gente aos benfiquistas. Coluna estava no Porto, integrado nos trabalhos da selecção militar que iria defrontar a Holanda; Jacinto, Caiado e Palmeiro, lesionados, não faziam parte das contas do treinador. Talvez por causa dessas ausências vários tenham sido também os ausentes, já que se encontravam, aqui e ali, umas clareiras por entre a massa de gente que acorrera à Luz. Não sabem o que perderam.
Um Benfica valente!
Logo aos 8 minutos de jogo, os adeptos benfiquistas saltaram dos seus lugares como se fossem impulsionados por molas. Salvador puxou a perna atrás e mandou, objectivamente, o pé às compras: um tiro de violência inaudita que fez a bola explodir na barra da baliza de Ramirez. O keeper do Valência ficou tão baralhado, que andou de cabeça virada, de um lado para o outro, na tentativa de adivinhar onde ela viria a cair, mas debalde. Caiu certinha no lugar onde Garrido se aprestou a fazer a recarga e o correspondente 1-0.
Felizes, nas bancadas, os sócios benfiquistas mostravam-se orgulhosos num conjunto que, apesar de desfalcado, se batia com um pundonor notável.
Mas o empate surgiu aos 21 minutos, por Buqué, num remate forte e rasteiro que apanhou Costa Pereira desprevenido.
O Benfica acusou o golpe. Durante alguns minutos, pairou a sensação de que a confiança inicial se tinha esfumado. Foi nesse período de descontrolo, com os jogadores desarrumados, que sofreu o segundo golo, por Badenes, que correspondeu a um centro preciso de Maño. O intervalo vinha mesmo a calhar. O público aproveitou para respirar fundo, e os jogadores, reunidos no balneário, retificaram as suas posições.
Foi, portanto, uma nova águia que apareceu na segunda parte. De tal forma o foi, que, logo aos 3 minutos, José Águas se elevou no meio da grande área valenciana vinda da direita. Empate restabelecido. Os encarnados iriam partir para um ataque feroz e irresistível!
As substituições de Pegado por Chipenda e, depois, deste por Rogério baralharam os espanhóis.
O Benfica pusera velocidade no seu jogo de tabelinhas progressivas e empurrava o adversário para o seu meio-campo. Parecia uma jibóia-constritora, tirando o ar à sua vítima, esvaziando-lhe os pulmões. O golo adivinhava-se, e chegou a 6 minutos do fim, por Cavém, pintando o resultado com justiça. A vitória encarnada fora indiscutível, sobretudo por via da excelência de exibição do segundo tempo. 'Não interessa o nome dos clubes', registava um cronista da época, 'interessa, isso, sim, o valor demonstrado pelos futebolistas do Benfica, que souberam, num alarde de força física e condição atlética, e mesmo de excelente execução técnica, superiorizar-se ao categorizado conjunto valenciano. Ficou, no meio que soube produzir a equipa lisboeta no segundo tempo, a valorização do futebol nacional no confronto com uma equipa do primeiro plano europeu'.
O dia fora longo. Mas os adeptos abandonavam a Luz felizes nesse dia inicial de Dezembro de 1955. Iam comentando as incidências dos acontecimentos, a alegria da festa misturada com a satisfação da vitória sobre um adversário espanhol. Vencer um clube vizinho nunca deixava de ser uma felicidade multiplicada por via da rivalidade eterna com muestros hermanos. Fazia frio em Lisboa, mas os grupos que se espalham pelas ruas em redor da Luz estavam-se nas tintas para o frio. Afinal, era precisamente para assistir ao que assistiram que se tinham dado ao trabalho de sair de casa."
Afonso de Melo, in O Benfica
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