sexta-feira, 30 de abril de 2021

HUMBERTO COELHO

 


"Na minha longa experiência no futebol deparei com diversos excessos entre os quais se salientam as atitudes de alguns treinadores perante as adversidades decorrentes do treino e competição. Sei bem que cada ser humano está determinado quer pelos fatores genéticos da sua ascendência quer pelo imprinting desenvolvido nos primeiros anos de vida. Como alguém disse, nós somos o que fomos.
Contudo, se em relação a algumas situações da vida podemos e devemos expressar a autenticidade do que somos noutras, aquelas que põem em jogo as relações intra e intergrupais, devemos ser controlados por um especial bom senso e controlo emocional. Um líder, qualquer líder, para ser eficaz deve conter as suas emoções dentro de limites que permitam a operacionalidade do seu comando. A emocionalidade descontrolada pode redundar na perda de eficácia na direção do grupo.
Isto vem a propósito dos excessos comportamentais de alguns treinadores de futebol veiculados pelos mass media e que dão uma imagem redutora de si e dos grupos que comandam. Nunca por nunca agitação foi sinónimo de eficácia. O berro destemperado, a palavra acintosa e o gesto agressivo são indicadores de descontrolo e podem concorrer para acentuar o carácter patológico da pugna desportiva.
Vou ao meu álbum de memórias e procuro alguém que como líder esteja nos antípodas dos incendiários do futebol. Ele ali está no cantinho mais gratificante das minhas memórias – Humberto Coelho. Trabalhei com ele no Salgueiros, na seleção Portuguesa e na seleção da Coreia do Sul.
Nunca lhe reconheci um gesto ou uma atitude que não fosse comandada por uma extreme educação e um admirável controlo emocional. Nunca o ouvi, publicamente, onerar qualquer jogador com o ónus dos inêxitos. Nas nossas reuniões de trabalho escalpelizávamos até ao tutano tudo o que de bom ou mau era feito em termos individuais e coletivos, mas nunca, digo nunca, qualquer crítica interna transpirou para o exterior onde alguns jornalistas pedem a todos os deuses do Olimpo que “o homem morda o cão”.
O que mais admirei no Humberto Coelho era a parcimónia das suas atitudes. Nunca embandeirava em arco, lançando os foguetes e apanhando as canas nas vitórias como, com uma calma muito trabalhada, nunca permitia que a derrota se transformasse num fator bloqueador do futuro êxito. Humberto Coelho foi do que melhor Portugal produziu em termos de jogador da bola. Viveu, como capitão do Benfica e da seleção nacional alguns dos desafios mais marcantes da sua riquíssima carreira desportiva. Pois bem, ao sentir no seu corpo e na sua alma as alegrias e vicissitudes arrastadas por uma longa carreira na alta competição utilizou-as como modeladoras do seu carácter que o transformaram no ser humano calmo, sabedor e jovial.
Humberto Coelho berrava no campo, no treino, nunca como elemento de crítica, mas como estímulo potenciador. Ele demonstrava, na procura pelo aperfeiçoamento operacional, que tinha sangue bem vivo e pulsante dentro das veias. Contudo, quando se sentava no banco conseguia controlar as emoções de forma admirável. Quantas vezes eu e os outros no banco saltávamos de alegria ou raiva e ele impávido e sereno aproveitava cada momento para resolver algum problema tático chamando o capitão ou o jogador implicado. Nunca admoestou, sempre corrigiu. Nunca berrou para dentro do campo pois sabia que os jogadores quando estão concentrados no jogo não ouvem nem a mãezinha. Durante a semana e como conhecia o futebol como ninguém tentava antecipar os eventuais problemas que podiam surgir com cada equipa e trabalhava-os. O aleatório do jogo ele assumia-o com naturalidade e dentro da estrutura tática e da estratégia específica para cada jogo permitia a criatividade individual que muitas vezes era a solução para os bloqueios táticos e operacionais entre equipas. Nunca o vi admoestar um jogador quando falhava nas suas expressões de individualismo. Ele, estimulava a responsabilização individual dos jogadores, melhor dito, daqueles jogadores cuja individualização trazia normalmente benefícios para a equipa. Aos outros, aconselhava-os a não inventar muito. Humberto Coelho tinha uma consciência muito apurada de todos os fatores que concorrem para a eficácia de uma equipa de futebol.
Conheci Humberto Coelho no trabalho, conheci-o também na convivialidade. A sua cultura e o seu sentido de humor fazem dele um ser humano excecional. Só posso dizer Meu Amigo Humberto, bem haja."

Sem comentários:

Enviar um comentário