"Não se queixe o povo de Fernando Santos, se o selecionador colocou em campo a equipa que o povo reclamava. Foi com Renato Sanches e Palhinha em campo que Portugal perdeu. Como poderia ter ganho aquele jogo, é certo, até porque rondou mais vezes a baliza contrária. Sejamos justos: não foi pelo novo meio-campo, totalmente novo em relação ao primeiro jogo, que Portugal perdeu. Acontece é que também não foi com ele que conseguiu ganhar, ao contrário do que tantos sugeriam. Um sintoma não é uma doença, como um remendo não produz um pneu novo. O problema da seleção não foi a colagem das novas soluções, foi não haver descolagem das anteriores. Fernando Santos tem qualidade e experiência para inverter o rumo e forçar o futebol que o talento português reclama. Sou o primeiro a dizer que só merece sair da Seleção pela porta grande, mas terá de ser ele o primeiro a convencer-se de que essa saída feliz não acontece apenas com a repetição de um troféu, sempre improvável (tanto que só uma vez o lográmos). Ganhar no futebol também pode ser, como em 84, 2000 ou 2004, a imagem de uma emoção que fica e de uma geração que não se sacrifica.
Insistirei sempre que o futebol é um jogo coletivo e que o físico é só uma dimensão do jogo, mesmo se cada vez mais sobrevalorizada. O jogo da França com a Suíça foi modelar a esse nível: poucas seleções haverá atleticamente mais fortes que a França (toda a defesa, Kanté, Pogba, Benzema, Mbappé, até Sissoko entrou) e provavelmente nenhum jogador suíço seria titular na equipa gaulesa. Nem sequer Xhaka, esse médio imenso que é melhor que muito médio intenso, homem com start and stop incorporado - e que falta faz o stop a tantos médios, o momento de pausar para melhor pensar -, mas que aguentou 120 minutos de correrias frente a Kanté e Pogba. Xhaka, que parece jogar sem nunca curvar as costas, foi o metrónomo que nunca falhou o ritmo e aquele passe para o golo decisivo de Gavranovic foi música, literalmente. Podia valer toda uma aula num curso de futebol, se os cursos de futebol valorizarem isso.
A Espanha reparte com a Itália o título de seleção que melhor joga neste Europeu. Foram melhores que as outras duas grandes favoritas graças a um par de qualidades fundamentais: coerência e criatividade. A Alemanha foi coerente, mas pouco criativa nas alternativas à estrutura base, enquanto a França criava pelo talento individual mas teve pouca coerência enquanto conjunto, como se percebeu nas alterações improvisadas diante a Suíça. Desde o início que a Itália me parece a equipa mais completa, a que melhor liga os momentos ofensivo e defensivo, segura e sedutora ao mesmo tempo, mas por esta ordem. A Espanha inverte essa ordem, porventura ainda mais ousada, de risco, mas de coerência verdadeira, porque coloca em campo talentos com linguagem idêntica, que é diferente e vai muito além de uma compatibilidade entre jogadores de perfis diversos. Instrumentos de percussão podem juntar-se sopros e cordas numa orquestra, não se podem é confundir com bombos de romaria. E agradeço a Luis Enrique que me deixe ver juntos, no mesmo meio-campo, Busquets e Pedri, o mestre da gestão do espaço e o novo génio que o inventa. Quantos considerariam ser impossível o equilíbrio numa equipa com dois jogadores assim? E, no entanto, sucede.
Aliás, quando se fala de equipas equilibradas, imagino logo um relvado inclinado para trás. Equilíbrio no futebol tornou-se uma palavra desequilibrada, sinónima de conservadorismo ou pragmatismo, formas mais simpáticas de definir um jogar defensivo. Uma equipa equilibrada não pode ser esmerada quando não tem a bola mas parca na intenção coletiva com ela. Antes terá de procurar a mesma eficácia para a frente e para trás, que não há baloiço que funcione só num sentido. Se isso acontecer, há duas hipóteses apenas: ou está avariado ou não é um baloiço."
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