"Conhecer o futuro é um desejo iminentemente humano. Para tal, mune-se das informações do passado e do presente, inventariando um conjunto de questões que possa perspetivar como esse futuro será concretizado e idealizado. No que ao futebol diz respeito, existe um conjunto de tendências evolutivas do jogo, formatadas pelas experiências do passado e do presente projetando-se no futuro. Bem como outras que surgirão do conhecimento, operacionalização e criatividade dos treinadores e jogadores, baseadas na perpetuação de um futebol em constante evolução.
As questões que se colocam neste domínio são múltiplas, todavia elegem-se as seguintes: que tendências evolutivas do jogo se descortinam? Como é que estas se inter-relacionam? Que impacto terão na alteração dos processos de preparação e condução da equipa, antes e durante a competição? Quais os limites da performance humana? Até onde se poderá exigir dos jogadores e das equipas? Como entender o percurso e o processo formativo dos jogadores até atingirem o alto rendimento, bem como dos treinadores? Quais as competências de diferente ordem no jogador de elite na próxima década?
Tendo como referência o número de leis do jogo, apresentam-se 17 dessas tendências que influenciam o presente e o futuro a curto ou médio prazo.
Jogar permanentemente em ‘unidade’
1. As equipas desenvolvem uma mentalidade coletiva, aumentando a sua eficácia em que todos atacam e defendem. Promovem-se rotinas individuais e coletivas, através de movimentos coordenados em largura e profundidade no ataque, bem como reagir à perda da bola e concentrando-se num espaço defensivo específico. Estabelece-se a homogeneidade coletiva facilitando os objetivos para cada situação, em função do binómio risco/segurança que envolve toda a ação individual e coletiva realizada. Nada é mais importante do que a equipa.
Desenhar planos estratégico//táticos flexíveis
2. A estratégia e a tática são dimensões lógicas e flexíveis. Partindo do conhecimento do adversário, cenários plausíveis são treinados no sentido de melhorar o modelo de jogo da equipa, permitindo mudanças temporárias na sua funcionalidade para atingir objetivos competitivos. Pré-ativam-se assim os jogadores para situações que possam acontecer. Para tal, desenvolvem-se padrões de jogo regulares (modelo de jogo) mas também padrões espontâneos (plásticos), ampliando a eficácia da sua organização, mantendo a integridade e a identidade da equipa. Tais modificações conectam-se às condições reais de competição, bem como redimensionam o plano durante a competição em função do binómio resultado/tempo de jogo.
Marcar primeiro e liderar o resultado
3. Marcar primeiro é um elemento determinante para atingir a vitória. Sendo fundamental quando as duas equipas em confronto detêm os mesmos níveis de rendimento. As análises da Liga dos Campeões evidenciam que 73% das equipas que marcaram primeiro atingiram a vitória, 19% empataram e 8% perderam. Para além do facto referenciado, liderar continuamente o resultado do jogo tem um efeito de carácter psicológico positivo nos jogadores e na equipa, dando-lhes maior segurança e confiança, obrigando o adversário a jogar num contexto de crise de resultado e tempo. Assim, o binómio marcar/liderar passa por se aproveitarem as oportunidades para se atingir o golo, sendo um elemento chave para se atingir a vitória.
Assegurar a maturidade futebolística dos jovens jogadores
4. Hoje e no futuro, observar-se-á o sucesso dos jogadores mais jovens no alto rendimento. A preparação do futebol nos jovens começa mais cedo, estendendo-se para o futuro. As seleções posicionadas nos 6 primeiros lugares dos Mundiais de 2014 e 2018 mantiveram o mesmo número de jogadores até aos 23 anos (Alemanha, Holanda e Bélgica 6/7), reduzindo as idades de 30 ou mais anos e aumentando entre os 24 e 29 anos. Paralelamente a este facto, verifica-se uma maior longevidade profissional dos jogadores. Sendo normal observar-se elevadas percentagens de jogadores com mais de 30 e até 40 anos. O possível choque geracional desta tendência (jovens/menos jovens) terá de ser corretamente gerido pelos clubes e treinadores. Esta tendência tem como base o binómio entre a qualidade da formação dos treinadores, suportada por metodologias de treino e conhecimentos científicos. Possibilita-se assim que os jogadores ascendam mais rapidamente ao alto rendimento e mantenham durante um maior período temporal elevados níveis de desempenho futebolístico.
Flexibilizar os sistemas táticos
5. O sistema tático é baseado em diagramas (G:4:4:2, G:4:5:1, etc.), estabelecendo a ordem e o equilíbrio nas várias zonas do campo, tanto no ataque como na defesa, e sendo um ponto de partida para a coordenação das ações individuais e coletivas, baseadas numa cadeia de geometrias triangulares. Todas as equipas adotam um sistema tático básico (deriva de seu modelo de jogo) e alternativo (dependendo do desenvolvimento da competição). Os sistemas táticos na atualidade são dotados de flexibilidade para anular/explorar os adversários. Tal facto significa mudanças na formação da equipa, antes e durante a competição. O treinador poderá ser visto como um jogador de xadrez, movendo as suas peças em função de múltiplas informações vindas do jogo. Contudo, a par de uma ocupação racional do espaço de jogo, importa dotar os jogadores de missões táticas específicas, interagindo individual, sectorial e coletivamente. Estabelece-se um binómio entre espaço/missão.
Harmonizar ações de ataque vs. defesa
6. Ataca-se preparando-se para defender e defende-se preparando-se para atacar, explorando diferentes níveis organizacionais. Criam-se assim condições favoráveis, de modo a obrigar os adversários a defender ou atacar com menor número de jogadores em dificuldades de tempo e espaço. Manter equilíbrios posicionais, bem como a sua sincronização em função das situações de jogo é um dos fatores chave das equipas na fase ofensiva e defensiva do jogo. Das análises da Liga dos Campeões o espaço efetivo de ataque variou entre 792 e 1180 m2 (Barcelona e Ajax mais espaço), enquanto em fase defensiva variou entre 759 e 480 m2 (FC Porto e Man. City menos espaço). Os menores valores diferenciais entre o ataque e a defesa foram observados pelo Liverpool (92 m2), FC Porto (236) e Man. City (312).
Maximizar o ritmo de jogo
7. Esta tendência evidencia a operacionalização de taxas de variabilidade rítmica (variação do número de ações na unidade de tempo) de circulação dos jogadores no ataque e na defesa, impossibilitando o adversário de ter espaço/tempo para se organizar efetivamente. Os jogadores ao interferirem intensamente nas situações de jogo ampliam o grau de sincronização da ação coletiva, reduzindo os custos dos mecanismos de suporte dos sistemas de ação, potenciando acelerações do ritmo de jogo em momentos e espaços próprios aos objetivos da equipa. As análises das ações ofensivas eficazes realizadas na Liga dos Campeões (de 2012 a 2019) demonstram que o tempo médio de ataque variou entre os 10,3 e 12,5 segundos, bem como o número de ações de passe realizados entre 3 e 4.
Efetuar rápidas transições de fase
8. Os momentos de transição de fase suportam-se na base de uma forte atitude mental por parte dos jogadores. Passam do ataque à bola ao ataque à baliza (da concentração defensiva à profundidade e largura no ataque) ou do ataque à baliza ao ataque à bola (da profundidade e largura no ataque à concentração defensiva). Para tal as ações serão rápidas, imediatas, seguras e adaptadas às situações de jogo. Fomentando a continuidade do processo ofensivo ou defensivo. Além dos valores diferenciais referenciados entre o espaço efetivo de jogo na fase ofensiva e defensiva, importa igualmente analisar o tempo que as equipas necessitam para transitar de uma para outra fase. Quanto menor for esse tempo, mais eficazes serão os momentos de transição de fase. Esta tendência é altamente dependente da ocupação racional do espaço de jogo, da mentalidade agressiva dos jogadores na perda e recuperação da bola e do tempo transacional entre atacar e defender e vice-versa.
Potencializar os esquemas táticos
9. No Mundial 2018, as bolas paradas representaram 30/39% das situações de golo e cerca de 50% dos remates. A sua aplicação na competição oferece vantagens em relação à iniciativa, tempo e oportunidade para quem ataca. Mas também a possibilidade de originar situações de contra-ataque para quem defende. Neste sentido, armadilha-se a situação, de modo que os atacantes criem uma falsa noção do controlo de jogo, bem como ocuparem posições diferentes daquelas que normalmente dominam. O penálti foi a situação que mais golos produziu (22), porventura devido à intervenção do VAR. O pontapé de canto foi o segundo (19) e os pontapés de livre o terceiro (17). Em todas as fases competitivas deste Mundial observaram-se golos a partir de esquemas táticos. Importa assim evitar infrações às leis do jogo, modelando o binómio entre a necessidade do seu uso a favor da equipa e o fator emocional dos jogadores.
Estimular a criatividade e a improvisação
10. A qualidade da tomada de decisão e da execução técnica dos jogadores suporta-se na sua eficácia, sendo um processo em constante aperfeiçoamento, antecipando, acelerando e adequando soluções, atendendo às conjunturas de jogo. Os jogadores terão de tomar entre 2500 e 3500 decisões para um tempo efetivo de jogo que varia entre os 50 e os 60 minutos. Os pés e o cérebro estão em constante interação, sem a qual os jogadores jamais poderão antecipar/agir à emergência de cada situação de jogo. Paralelamente a uma forte disciplina tática, reclama-se que os jogadores atendam a um imaginário, ao mesmo tempo disciplinado pelos contornos do modelo de jogo e flexível, proporcionando a cada jogador dentro da organização da equipa o espaço necessário para impor sua personalidade e criatividade, suportada por uma cultura de regras de ação e de princípios da gestão coletiva.
Ampliar a intensidade do jogo
11. As equipas percorrem mais de 100 km por jogo. Cada jogador percorre entre 8,3/6 km acima de 20 km/h, 1,4/2,3 km acima de 25 km/h, efetuando mais de 1300 mudanças de intensidade. Na Liga dos Campeões, muitos jogadores atingem velocidades máximas entre os 33,5 a 34,5 km/hora e um elevado número de sprints durante cada jogo (52 a 56). Em termos comparativos, o recorde dos 100 metros, estabelecido em 2009, foi de 44,7 km/h. Estes dados objetivam o elevado nível de disputa por cada cm de espaço e situação de jogo. Logo, quanto maior o grau de sincronização da ação coletiva, suportado por jogadores considerados mestres da síntese, criando/gerando tempo e espaço, reduz-se o recrutamento de sistemas de apoio (menor fadiga). Em simultâneo aos dados apresentados, a tendência futura das diferentes organizações competitivas é aumentar a proporção de jogos/época (densidade competitiva). A resposta a esta equação passa por uma correta gestão dos esforços dos jogadores (realizando entre 50 a 80 jogos/época), relativamente às exigências colocadas pelo binómio treino/competição.
Universalizar as ações do guarda-redes
12. A missão tática essencial do guarda-redes é defender a baliza, dominando as ações específicas que derivam da sua posição (realizando entre 5 a 25 defesas/jogo). Contudo, na atualidade os guarda-redes têm ampliado o seu papel na fase ofensiva, participando na circulação da bola na primeira etapa deste processo, elevada precisão das ações de passe curto, médio e longo, na aceleração do ritmo ofensivo, colocando rapidamente a bola em jogo, bem como escolher o colega melhor posicionado para atacar a baliza adversária. Os guarda-redes realizam em média de 18 a 32 ações de passe por jogo. Desta constatação os guarda-redes foram, nos últimos anos, os jogadores que mais evoluíram do ponto de vista técnico, tático e estratégico. O futuro demonstrará que tal evolução irá continuar.
Aplicar o ataque de segunda vaga
13. Este conceito é usado em função de diferentes níveis da organização, logo após a recuperação da bola, de forma a aproveitar a possível desorganização defensiva adversária. Chegado às zonas de finalização e havendo reduzidas possibilidades de êxito, reduz-se a velocidade do ataque, criando condições para nova aceleração, usando os atacantes movendo-se em alta velocidade de trás para a frente. Tais deslocamentos tornam difícil a possibilidade de marcação efetiva por parte dos adversários. Esta 2ª vaga potencia o fator surpresa quando os defesas ainda estão ocupados em se reorganizar.
Adotar o conceito do ‘contra do contra’
14. Este conceito de jogo é a resposta da equipa que ao perder a posse de bola reage desenvolvendo 3 objetivos: evitar o contra-ataque do adversário, recuperar a bola e colocá-la rapidamente nas zonas de finalização. Aproveita neste âmbito o desequilíbrio da equipa adversária que transita, em poucos segundos, da defesa para o ataque e de seguida para a defesa. Assim a equipa, após recuperar a bola e tentando contra-atacar, é surpreendida pela sua perda, encontrando-se numa situação precária de organização defensiva, possibilitando condições de crise de raciocínio tático e redução dos índices de confiança.
Adequar métodos defensivos construtivos
15. A organização das equipas de elevado rendimento operacionaliza uma visão construtiva da fase defensiva do jogo. Para tal, reduzem-se opções táticas do ataque adversário, tornando-o mais previsível. Promovem a redução do espaço efetivo do ataque e a marcação premente do adversário de posse de bola, bem como dos colegas com quem se pode articular. Preparam-se formas pré-estabelecidas de recuperação da bola, propiciando condições vantajosas na concretização do ataque subsequente, em virtude da eficácia do ataque depender, essencialmente, de como a bola foi recuperada. Por último, criam de modo constante uma incorreta perceção de domínio do espaço e do tempo por parte do adversário, convidando-o a cometer erros de ordem estratégica, tática e técnica.
Aplicar métodos de zona pressionante
16. Nestes métodos é essencial pressionar rigorosamente o atacante de posse de bola. Criar zonas de pressão sobre o ataque, suportadas numa superioridade numérica, reduzindo as opções dos adversários e conduzindo-os para zonas menos vitais de jogo. Mantendo de modo constante uma organização defensiva concentrada e compacta no espaço de jogo, adaptando-se rápida e eficazmente, quando se verifica a circulação ou a variação do centro do jogo atacante. Expressam igualmente um elevado espírito de sacrifício que somente termina aquando da recuperação da posse de bola.
Alterar as leis do jogo e as novas tecnologias
17. A lógica interna do jogo é o produto da interpretação e interação entre as leis do jogo, bem como da evolução das soluções práticas encontradas pelos treinadores e jogadores, decorrentes das suas capacidades. As amplas possibilidades de decisão/ação permitidas pelas leis do jogo geram múltiplas inter-relações que nunca são estáveis e soluções operacionais de carácter estratégico e tático. A tendência das leis do jogo é que estas sejam alteradas, tornando o jogo mais lógico, competitivo e verdadeiro, suportado por processos específicos de treino dos árbitros, mas também por novas tecnologias que possibilitem corretas tomadas de decisão. Cada vez mais a tecnologia irá inundar o futebol sob diferentes dimensões, especialmente com métricas quantitativas. As métricas de ordem quantitativa e qualitativa são essenciais para desvendar alguns factos da lógica do jogo, ajudando de uma forma humana a resolver problemas individuais e coletivos. Deste modo, os métodos de treino serão desenhados e aplicados em função do que é essencial, não se perdendo tempo nem energia, direcionando-os numa visão transformadora da qualidade de jogo. Alargam-se igualmente os graus de liberdade de todas as personagens envolvidas neste fenómeno desportivo, oferecendo mais opções, ideias e conceitos de jogo. A tecnologia poderá viver lado a lado com a experiência humana, contudo jamais poderá substituir a experiência humana."
Sem comentários:
Enviar um comentário