"Salvo algumas vezes em que acompanhei em criança o meu pai e amigos ao antigo Estádio da Luz, o início da minha romaria habitual à Catedral fez-se por mim, adolescente, juntamente com outros que tinham semelhante chamamento.
Entretanto, ainda miúdo e sendo atleta do Belenenses, fui sozinho ver alguns jogos. Recordo que apanhava dois autocarros (obrigada mãe pelos módulos) para chegar ao Restelo e da sensação de "crescido" ao mostrar o meu cartão de atleta ao porteiro e ter assim entrada livre no Estádio. Era apenas uma criança, mas sentia-me tão atleta como aqueles jogadores de futebol crescidos.
Visto à distância de mais de três décadas, tal situação hoje em dia poderia quase ser motivo de queixa à comissão de protecção de crianças e jovens…
Assim, ao contrário da maioria dos benfiquistas, a primeira vez que vi Chalana jogar ao vivo foi no Estádio do Restelo, em 1988.
Recordo que me movia uma enorme curiosidade alimentada desde sempre pelo melhor amigo do meu pai, o Fernando Gouveia, que falava do Chalana com um brilho e encanto que não se explicam. Um benfiquista daqueles que só tendo conhecido e que acompanha cedo demais o Benfica do 4.º anel.
Para mim, quando o Fernando falava do Chalana, tinha a certeza de que o Pequeno Genial era diferente dos demais. Como se fosse um príncipe de uma história de encantar, tal e qual as suas palavras ou mesmo um herói sem capa e espada, antes envergando um manto sagrado.
Naquela tarde, quando avistei o Chalana de perto, bem no meio da bancada dos sócios do Belenenses, confesso que o achei pequeno e sem grande "pinta de jogador de bola". Seria exagero do Fernando? Existiria ali uma eventual hipérbole de irmandade de "Fernandos de bigodes exuberantes"?
Comecei a perceber que algo era diferente quando no meio da bancada azul-celeste, ouvi como Chalana era respeitado e acarinhado pelo público adversário. Tirando os palavrões que faziam estremecer qualquer petiz, o "sacana" do Chalana era especial até para os adversários, e isto já sem o fulgor prévio à partida para França alguns anos antes.
Quis o destino que o Benfica vencesse com um golo precisamente do Chalana, culminando uma primeira parte de grande nível. E quis felizmente também o destino que os sócios do Belenenses não tivessem levado demasiado a mal o meu festejo exuberante com o golo do Chalas, de penalti. Afinal, era só um puto atrevido, sozinho aos saltos no sítio errado.
Dali em diante, sabemos que o herói estava já numa fase descendente da carreira, diminuído fisicamente, e acabou até por ir jogar precisamente para o Belenenses, onde tive o privilégio de o ver mais algumas vezes. Nada que lhe retirasse a aura de herói.
Chalana tornou-se parte do meu imaginário, sendo para mim o homem-aranha do futebol. Isto porque sempre vi desde miúdo o homem-aranha como um "super-herói" mas sem poderes divinos e sendo acima de tudo uma pessoa "normal", com erros e dificuldades dos demais humanos, e em que apesar dos problemas, o foco estava em ajudar os outros.
Chalana era e será sempre simplesmente "um dos nossos". Uma pessoa "normal", do Barreiro, mas com um talento puro para fintar e jogar futebol, de onde retirava um prazer ímpar, qual miúdo na rua, transmitindo uma paixão genuína, daquelas que fizeram crescer e alimentar incontáveis paixões pelo Benfica e pelo futebol, elevando aquele "ser normal" à categoria dos eleitos.
A notícia da morte do meu herói de manto sagrado, embora não inesperada, doeu fortemente. Tive até dificuldade em explicar a algumas pessoas a tristeza associada a esta perda. Disse-lhes simplesmente que foi como perder alguém da família, daquela próxima. É simplesmente da nossa família, daqueles apaixonados pelo futebol e pelo Benfica. Quem sente, simplesmente percebe.
Nestes últimos tempos, fui-me mentalizando para a sua partida, por saber o difícil estado de saúde em que se encontrava, com uma doença que teimou em placá-lo de atingir uma velhice merecida. Logo a ele, que julgávamos quase não ser possível pará-lo...
A bem da verdade, importa realçar que o Benfica, através do anterior presidente, diligenciou para que dentro do possível, nada faltasse ao Pequeno Genial. Um gesto mais que justo e que enobrece os ideais do Sport Lisboa e Benfica.
E, acrescente-se, alguns dos seus antigos companheiros de equipa, foram presença próxima de Chalana e família nestes momentos difíceis. Porque aquela mística que um deles gosta de falar não se esgota nas palavras, nem quatro linhas ou tão pouco com o final da carreira…
Estou certo de que o Benfica tudo fará para eternizar a glória deste herói, aproveitando para deixar algumas ideias para poderem ser consideradas como formas de homenagear Chalana:
· No próximo jogo da equipa de futebol (em Leiria), todos os jogadores entrarem com "Chalana" na camisola, para além das faixas negras (o número 10 para todos não é possível);
· No próximo jogo da equipa de futebol (em Leiria), entrar toda a equipa com "bigodes à Chalana" antes de o jogo começar;
· No próximo jogo da equipa de futebol em casa, distribuir bigodes nas portas de entrada para todo o público (homens, mulheres e crianças) usar em homenagem a Chalana (que momento único será mais de 50.000 pessoas de bigode a encher o Estádio);
· Dar o nome de Chalana ao Estádio do Seixal; · Retirar para sempre a camisola 10 da equipa principal; · Em cada minuto 10 dos jogos em casa, passar uma jogada de Chalana;
Faltam sempre palavras para explicar o efeito que os heróis têm para nós. Para mim, Chalana será super-herói dos relvados, o meu homem-aranha das quatro linhas, equipado com um manto sagrado e um eterno 10 nas costas.
Que descanse em paz do alto do 4.º anel, certo de que será o herói eterno da paixão benfiquista e "das pessoas normais"."
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