quarta-feira, 29 de outubro de 2025

AS QUEIXAS E QUEIXINHAS DO FUTEBOL PORTUGUÊS



Têm estado na ordem do dia as participações disciplinares feitas por clubes (sociedades desportivas) ou entidades como a Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF) contra dirigentes (ou outros agentes desportivos) e outros clubes.
As pessoas perguntam-se muito porque é que as participações só acontecem nuns casos e noutros não e como é que tudo isto, em geral, se processa.
Estas queixas (participações disciplinares) estão previstas no Regulamento Disciplinar da Liga Portugal, sendo que qualquer pessoa que tenha conhecimento de factos que possam configurar uma infração pode participá-los ao Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF).
Algo que não se compreende é o facto de, muitas vezes, o objeto destas participações disciplinares serem factos públicos e amplamente divulgados pela imprensa e o Conselho de Disciplina precisar, ainda assim, do impulso de terceiros para proceder à abertura dos competentes processos disciplinares.
Mas olhemos para os requisitos de forma: a participação disciplinar pode ser realizada por escrito ou oralmente, devendo indicar de modo claro a identidade do participante e do participado e, na medida do possível, as circunstâncias de tempo, lugar e modo relativas aos factos participados. Nada de muito complicado, esperando-se que o Conselho de Disciplina faça o resto: investigar os factos e ponderar qual ou quais as normas que foram infringidas.
As participações anónimas ou que não digam respeito a factos concretos são arquivadas sem dar lugar à instauração de processo disciplinar, o que faz sentido visto que as participações disciplinares infundadas podem representar a prática de uma infração disciplinar tipificada no regulamento disciplinar como «Denúncia caluniosa» — saudando-se a importância da inclusão desta infração de modo a prevenir participações disciplinares sem base factual apenas com o intuito de perturbar e condicionar o participado e com isto trazer mais perturbação mediática às competições.
Caso a participação cumpra os requisitos que enumeramos, o que se espera é a abertura de processo disciplinar para posterior análise e investigação. E dizemos o que se espera porque, infelizmente, o que muitas vezes se verifica é um arquivamento automático, que não se alinha, minimamente, com o estabelecido no Regulamento Disciplinar.
É que o Regulamento Disciplinar é bastante claro quando refere que os arquivamentos imediatos devem acontecer quando não estão preenchidos os tais requisitos mínimos que referimos.
E, em bom rigor, só após a realização das diligências de investigação e da análise da prova recolhida é que deveria verificar-se um eventual arquivamento — caso tenha sido concluído que não existiu infração disciplinar. Infelizmente, nem sempre é isto que se verifica.
Mas voltando ao processo: com a abertura deste, o Arguido é notificado, passando a saber que o mesmo existe e sendo informado das infrações disciplinares de que está indiciado, sendo nesse momento convidado para, querendo, se apresentar a fim de prestar declarações sobre os factos em investigação e requerer diligências instrutórias.
Realizadas as diligências referidas, inicia-se a fase instrutória do processo disciplinar, dirigida pelo Instrutor do processo, tratando-se, no fundo, de um momento (processual) em que se faz a investigação dos factos, cabendo ao Instrutor ordenar a realização das diligências e atos necessários à descoberta da verdade material.
O Arguido não é obrigado a prestar declarações, podendo manter-se em silêncio durante todo o processo, sem que isso o possa prejudicar.
Recolhida toda a prova e feita a análise desta, caso se conclua pela existência de indícios suficientes da prática da infração disciplinar, teremos uma acusação e se, pelo contrário, se entender que não existem indícios suficientes será proposto, através de despacho, à Comissão de Instrutores o arquivamento do processo.
Finda a fase da instrução, tendo nós em mão uma Acusação, o processo passa para a fase da audiência disciplinar. Realizada a audiência disciplinar, a Secção Disciplinar elabora a decisão que será posteriormente notificada às Partes.
Quando pensamos nestas queixas, pensamos em castigos, suspensões e quem ganhou esta guerra disciplinar.
Nesta festa mediática e com base no que se passa fora de campo, é impossível não se falar nas expetativas de castigo de um Dirigente (onde cabem os Presidentes).
E, neste caso específico, ocorreu uma alteração relevante ao regulamento disciplinar (em junho deste ano) no que toca aos efeitos da suspensão.
No anterior Regulamento Disciplinar, os Dirigentes suspensos não podiam «fazer qualquer intervenção pública em matérias relacionadas com as competições desportivas» o que era altamente limitante para a atividade de um Presidente de clube (para não dizer também altamente discutível no plano da legalidade).
Ora, no atual regulamento disciplinar já não encontramos essa limitação, tratando-se de uma alteração com que concordo plenamente.
Resta agora perceber se, com isto, teremos mais ou menos queixas, porquanto uns passarão a falar e outros falarão ainda mais (e mais à vontade).

Pedro Azevedo Branco, in a Bola 

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