sábado, 1 de novembro de 2025

CENTRALIZAÇÃO E DIREITOS TELEVISIVOS

 


O futebol profissional em Portugal conhecerá, nos próximos três anos, um período de profunda transformação, na decorrência do processo de centralização dos direitos de transmissão televisivos vertido no Decreto-Lei n.º 22-B/2021.

A decisão legislativa visa assegurar uma redistribuição mais equitativa das receitas entre os diferentes clubes competidores, mitigando a atual discrepância entre os maiores e os mais pequenos e permitindo o reequilíbrio orçamental de uns e outros. No plano estritamente conceptual, a decisão afigura-se como justa quanto aos propósitos e acertada quanto aos fins que se propõe atingir. Competições compostas por clubes assentes em realidades competitivas muito díspares, em condições financeiras desequilibradas, nunca serão verdadeiramente aliciantes nem apetecíveis de acompanhar. Veja-se, a este propósito, o interesse que os jogos da Premier League despertam, baseado na imprevisibilidade dos resultados, fruto do evidente equilíbrio entre a maioria das equipas em competição. Estes resultados podem aferir-se quer nas notáveis audiências televisivas semanalmente atingidas, quer nas imagens que nos chegam de estádios repletos de adeptos vibrantes.
O exemplo inglês, entre outros que coexistem por essa Europa fora, comprova que a agregação dos direitos televisivos potencia o valor global do produto-futebol. Se replicarmos este modelo ajustado à realidade portuguesa, dúvidas não subsistirão de que um processo de centralização tratado de forma profissional poderá contribuir decisivamente para diminuir diferenças competitivas entre clubes nacionais, permitindo desde logo uma repartição ajustada dos valores sobre os direitos das ligas profissionais.
Assente em mecanismos de avaliação de performance perfeitamente claros e critérios objetivos quanto à valorização que cada um dos clubes entrega à competição, será possível desenhar um quadro de centralização transparente, previsível e aceite pelos diferentes stakeholders envolvidos no negócio.
Acontece que a necessidade de valorizar os campeonatos profissionais (I e II ligas), tornando-os produtos internacionalmente apetecíveis (tanto para adeptos como para operadores televisivos), impõe a adoção de um novo modelo de competição. Um formato que seja mais apelativo, de onde resultem mais clássicos, mais dérbis regionais, mais jogos disputados com outra intensidade e onde o tempo útil de cada jogo e a incerteza de cada partida relativamente ao resultado final sejam os ingredientes essenciais. Uma liga que concilie emoção e imprevisibilidade e permita o recrutamento de atletas de alto nível sairá reforçada e estará mais próxima de se transformar num produto audiovisual interessante para disputar a atenção de públicos internacionais tão diversos e que têm ao seu dispor tantas e tão variadas opções de entretenimento.
É neste contexto que a valorização dos conteúdos audiovisuais está intimamente dependente da qualidade da transmissão, dos protagonistas e da organização do espetáculo de futebol que se desenrola dentro do retângulo de jogo. Torna-se, por isso, fundamental reconhecer que, simultaneamente à discussão sobre o modelo de redistribuição de direitos televisivos, urge dar igualmente o pontapé de saída quanto à discussão relativamente ao formato do modelo de competição profissional que se pretende implementar e desenvolver em Portugal.
Com os calendários de competições nacionais e internacionais cada vez mais sobrecarregados (com compromissos europeus no âmbito da FIFA e da UEFA), impõe-se uma reflexão aprofundada sobre estas várias condicionantes tendo em vista a melhoria do atual quadro de competições. Desde logo: devem a I e II ligas ver reduzidos o número de clubes que nelas participam? Deve ser ponderada a introdução de uma 2ª fase de competição, após a primeira volta, que proporcione a divisão clara entre, por um lado, as equipas que vão disputar o acesso ao título nacional e às competições europeias e, por outro, as equipas que disputarão a permanência nas divisões profissionais? Fará ainda sentido ponderar, em alternativa, uma fase de play-off para apurar quais os participantes que disputarão a primeira metade da tabela qualificativa e o título de campeão nacional?
A definição do número de equipas em contenda, a eventual adoção de duas fases de torneio/competição, o número de jogos e a adoção e promoção de jogos-cartaz deverão ser consideradas as variáveis que poderão impactar de forma determinante o valor dos conteúdos que serão transacionados com os eventuais operadores interessados na aquisição dos direitos.
Estas, entre variadíssimas outras reflexões, devem iniciar-se o quanto antes e devem ser promovidas pelas principais instituições que regulam e dirigem o futebol português, tendo em vista não só o incremento de competitividade interna e a sustentabilidade futura do modelo de negócio, mas também a salvaguarda do bem-estar físico e emocional dos jogadores, equipas técnicas e staff de apoio, que não raras vezes se veem envolvidos em sobrecargas competitivas cujo interesse desportivo e comercial é, no mínimo, questionável.
Certamente que a eventual introdução de alterações aos quadros competitivos deverá obedecer à compatibilização entre competições europeias (FIFA e UEFA), competições nacionais e a todas as demais exigências que se constituem com as transmissões e produção de conteúdos televisivos.
Por tudo isto, o futebol profissional em Portugal vive um momento de viragem profundo, assim queiram os principais dirigentes nacionais aproveitá-lo. A óbvia necessidade de ter um produto futebolisticamente competitivo e menos desigual nas receitas encontrará resposta em dois vetores que são entre si interdependentes: só concretizando a reforma do modelo de competição será possível alavancar uma negociação mais ambiciosa da centralização dos direitos televisivos.
Ricardo Gonçalves Cerqueira, in a Bola

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