A jogar assim, num registo que privilegia a equipa, Portugal consegue produzir um futebol vibrante, apelativo, e ao mesmo tempo letal, que sufoca o adversário e solta a magia dos sobredotados que vestem de quinas ao peito. Depois do 'oito’ de Dublin, o 'oitenta’ do Dragão: ora aqui está um bom tema de reflexão.
Há seis décadas e duas semanas, Portugal carimbou, no estádio das Antas, pela primeira vez, o passaporte para um Campeonato do Mundo de Futebol, graças a um nulo frente à Checoslováquia (finalista vencida, pelo Brasil, no Mundial anterior, e grande favorita a estar na fase final, em Inglaterra), que tinha sido derrotada pela Turma das Quinas em Bratislava, a 25 de abril de 1965, num dos mais épicos jogos de sempre da Seleção Nacional: num tempo em que não eram permitidas substituições, Fernando Mendes, capitão do Sporting, lesionou-se gravemente logo nos primeiros minutos (e nunca recuperaria desse infortúnio), deixando a equipa portuguesa reduzida a dez elementos; Eusébio, aos 20 minutos, assinou um dos mais brilhantes golos da sua carreira; e José Pereira, o ‘Pássaro Azul’ de Belém, defendeu um penálti a dois minutos do intervalo. Apuravam-se então, para a fase final do Campeonato do Mundo, 16 seleções, precisamente um terço das que vão estar nos na América do Norte em junho e julho de 2026. Quis o destino que, depois de desperdiçados dois ‘match-points’, fosse o estádio do FC Porto a ser mais uma vez palco do apuramento de Portugal para um Mundial, com um espetacular 9-1 sobre a Arménia, a celebrar a nona presença lusa em fases finais mundialistas. Mas será que marcar nove golos à Arménia é assim uma proeza tão significativa? Se pensarmos que os arménios perderam 1-0 na Irlanda e 2-0 na Hungria, as coisas ficam mais em perspectiva; e se a isto juntarmos o facto de, desde que se estreou em Madrid, em 1921, a Seleção Nacional só por duas vezes marcou nove golos, só por má fé poderá dizer-se que não estamos perante um resultado magnífico, uma espécie de bonança depois da tempestade de Dublin.
Contra a Arménia, o estádio do Dragão assistiu a Portugal no seu melhor, com uma equipa alegre e viva, onde todos correram para a frente e para trás, o que permitiu fazer a pressão alta que sufocou o adversário, e abriu as portas da goleada. Foi uma belíssima mostra de jogo associativo, fluido, tirando proveito de um meio campo virtuoso formado por Vitinha, Bruno Fernandes e João Neves, e de um ataque endiabrado, que foi simultaneamente a primeira linha de defesa, composto por Bernardo Silva, Gonçalo Ramos e Rafael Leão. Graças ao trabalho destes três, a equipa, em bloco, jogou subida, e teve momentos de verdadeira serenata à chuva no relvado portista.
Consumado o apuramento, e sendo certo que nos próximos seis meses, até sair a convocatória para o Mundial do México/Estados Unidos/ Canadá, muita água correrá debaixo das pontes, e o que hoje é verdade amanhã pode ser mentira, importará, neste tempo, fazer balanços sérios e tirar conclusões produtivas, que tenham como único objetivo chegar ao lado de lá do Atlântico na posse dos melhores argumentos para discutir o título.
Nunca, como agora, Portugal teve tantos e tão bons jogadores, habituados aos grandes palcos, e sem qualquer tipo de complexo face a terceiros. Criada cá, e levada para um crescimento mais competitivo no estrangeiro, esta geração tem a capacidade de voltra a fazer-nos sonhar, dez anos depois da inesquecível noite de 10 de julho de 2016, no Stade de France, em Paris.
José Manuel Delgado, in a Bola

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