terça-feira, 1 de outubro de 2019

A ABRACADABRANTE NOITE DAS BRUXAS ALEMÃS


"A Luz respondeu ao repto. O Lokomotiv de Leipzig foi recebido no inferno e viveu uma noite infernal. Ninguém foi capaz de explicar cabalmente como é que o Benfica não foi além do 2-1 e não deu a volta à eliminatória. Uns falaram de feitiço...

Os benfiquistas regressam frustrados de Leipzig. A despeito das baixas, como Torres e Simões, por exemplo, a derrota ferira-os no fundo da alma. 3-1, ainda por cima.
Frio, neve, potência física dos homens do Lokomotiv: nada disse servia de consolo.
Mas havia a Luz!
Havia sempre a Luz!
Cerca de três meses separaram as duas mãos da segunda eliminatória da Taça das Feiras.
Estranhamente Taça das Feiras. O Benfica não estava habituado a jogar esta prova. Afinal já tinha estado presente em quatro finais da Taça dos Campeões Europeus, vencendo duas.
Mas era preciso competir.
E virar o resultado, em Lisboa.
7 de Março de 1967.
Os jornais portugueses gritaram: 'Bruxaria!!!'
'Pode não acreditar-se no bruxedo, mas aquilo que aconteceu ontem à noite, na Luz, tem mesmo parecenças com algo que está próximo do sortilégio. Uma equipa - o Benfica - jogou que se fartou, ao nível das suas gloriosas e sempre recordadas jornadas europeias; exerceu avassalador domínio territorial que chegou a causar aflição; deu trabalho ao guarda-redes Weigang que chegava para toda a árvore genealógica da sua família; marcou dois golos (por Eusébio... quem havia de ser?), um dos quais de penalty e outro de cabeça quando faltavam dois minutos para o final do emocionante encontro. Já os alemães lá do Leste, em vez da sabedoria das suas universidades, trouxeram o feitiço com eles. Na sua bagagem veio o dr. Fausto. Não pôde ser outra coisa!'
Eusébio, sempre Eusébio!

À frustração de Leipzig, juntou-se a frustração da Luz.
Aos 1-3 de Leipzig, apenas 2-1 em Lisboa.
E o Benfica ficava de fora, logo à segunda eliminatória.
'O Lokomotiv devia ter regressado com um comboio de golos!'
Não levou.
Uma tristeza tomou conta da noite.
Frenzel, que já fora uma dor de cabeça no jogo de lá, marcou o golo, alemão aos 35 minutos, na altura dando o empate.
Bem se lançou o Benfica para a frente, sem contemplações.
José Augusto, Coluna, Iaúca, Eusébio, Simões e Nélson formaram uma espécie de 1-5 no ataque.
Ataque, ataque, ataque e ataque! Erros de mr. Syme, inglês, o árbitro.
Erros que enervaram os adeptos ao ponto de lhes fazer comichões na sangue.
A certa altura apontou uma grande penalidade por falta de Pfeufer sobre Raul. Baralhou-se. Voltou atrás e decidiu que seria canto.
Assobios para juiz e para o ferrolho alemão.
O Lokomotiv enfiou a locomotiva em frente da baliza.
Lutavam como podiam, com um companheirismo inexcedível. Era o que tinham para dar.
Era o 'Salve-se quem puder!'
Mas os encarnados falhavam oportunidades umas atrás das outras.
E os homens de Leipzig salvaram-se.
Agora que outro Leipzig regressou à Luz, fica a memória.
A memória que, como dizia Iva Delgado, nunca prescreve.
Não a deixemos prescrever. Mesmo a memória que dói."

Afonso de Melo, in O Benfica

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