"28 de Abril de 1963. Foi este o dia em que, pela primeira vez, o Benfica foi a Alvalade vencer o Sporting (1-3) para o Campeonato Nacional. Tinha sido necessário esperar seis anos desde a inauguração da obra do arquitecto Anselmo Fernandez, figura ímpar.
Demorou. Eis o que apetece dizer sobre uma vitória do Benfica no Estádio de Alvalade. Reparem: desenhado por uma grande figura da arquitectura e do futebol português, Anselmo Fernandez, responsável por obras do regime como a Reitoria da Universidade de Lisboa e o treinador que conduziu o Sporting à única conquista europeia da sua história, a Taça dos Vencedores de Taça de 1964, o Estádio José de Alvalade foi inaugurado em 1956. Foi preciso, pois, esperar seis anos para que os encarnados fossem lá arrancar um triunfo para o campeonato nacional.
A realidade alterou-se, entretanto. E de forma insubmissa. Hoje mesmo, repete-se o dérbi de Portugal, e o Benfica crê que sairá de Alvalade de braços erguidos como Fidípedes em Maratona. Mas houve tempos difíceis. Muito difíceis. Alvalade era um fosso de leões vigorosos e assassinos. Necessitava de gente de coragem para ir, para lá dos seus portões, de peito aberto, enfrentar as feras.
No dia 28 de Abril de 1963, a águia voou sobre a caverna.
Duas equipas poderosas. De um lado, Carvalho, Pedro Gomes, Hilário, Fernando Mendes, Lúcio, José Carlos, Augusto e Pérides, Figueiredo, Osvaldo Silva e João Morais. Do outro, Costa Pereira, Ângelo e Cruz, Humberto, Raul, Coluna, Augusto Silva e Santana, José Augusto, Eusébio e Simões.
Tantos dele repartiram a mesma trincheira três anos mais tarde na extraordinária aventura dos Magriços, em Inglaterra.
Mas, por agora, eram simplesmente irmãos desavindos. Lutando pelo mais pequeno espaço de terreno confinado a quatro linhas de cal.
Superioridade total!
A vitória do Benfica em Alvalade garantia praticamente o título aos rapazes das camisolas berrantes.
Por isso, não se deixaram cair em tibiezas. Atacaram desde o minuto inicial, logo com Eusébio a rematar de muito longe, provocando entusiasmo e medo nas bancadas em doses equivalentes.
António Simões, no azougue dos seus 20 anos, não consegue manter-se quieto. Serpenteia por entre adversários, rabia com a bola grudada ao seu mágico pé esquerdo, irreverente e inventivo. Finge que vai sair por um lado e torce para outro, descobre Eusébio em corrida, José Carlos não tem passada para acompanhar o impulso do Pantera Negra. Todos esperam o remate, mas a arte dos predestinados é fazerem o que ninguém espera: Eusébio vislumbra Augusto Silva pelo canto do olho, dirige-lhe um passe perfeito, a baliza está escancarada para um golo tão simples quanto belo.
Ah! Estão decorridos 15 minutos, e a superioridade do Benfica impressiona até os adversários. E como têm categoria, esses adversários. Não os desprezem. Não desprezem nunca o vosso maior rival, porque isso só empequenecerá as vossas vitórias.
Morais, o homem que irá marcar um canto inesquecíveis, centra para Figueiredo. A cabeçada desde faz com que a bola bata no poste com estrondo. O aviso está feito.
33 minutos: penálti contra o Sporting. Enquanto os leões protestam, Eusébio afaga a bola e coloca-a no lugar que conhece bem. Não, não falha. Eusébio não falha nunca. Está sempre no ponto mais alto da sua ferocidade de golos.
Uma segunda parte entende-se na frente de duas equipas com espíritos antagónicos.
Eusébio remata, remata e remata. Cada um dos seus tiros parece saído de canhoneiras. Explodem com violência contra os defesas sportinguistas, nas mãos de um atarantado Carvalho, na madeira da baliza. Os cantos sucedem-se.
Uma águia faminta desbarata as defesas do leão. Que ruge, mas pouco mais.
Eusébio marcava os cantos de forma exímia. Num deles, descobre Simões solto para cabecear para a baliza e fazer o 3-0. Foram raros os golos de António Simões com a cabeça. Talvez o mais célebre de todos contra o Brasil, em Goodison Park, enganando o pobre Manga. Mas também este em Alvalade, ficará para as crónicas futuras. Eu que o diga. E vocês também, leitores que me dedicam a vossa infinita paciência.
Não restam dúvidas quanto ao vencedor. Não restam muito mais em relação ao campeão.
Mas nem por isso o Benfica se satisfaz. Quer mais, quer sempre mais. Gente extraordinária, aquela. Uma sede de ser melhor, cada vez melhor. Simões e Eusébio estão à beira do quarto golo.
Uma réstia de orgulho eleva Figueiredo no ar. Da sua cabeça sai do golo do Sporting. Pouco mais há para contar. Alvalade deixou de ser terreno sagrado para os leões. A águia voa de regresso a casa, pairando altiva sobre Lisboa e Tejo e tudo..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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