"Dado o tropeção monumental de Bruno Lage na última fase pré-pandemia, o nome de Jorge Jesus regressou à agenda dos benfiquistas quanto à eterna discussão sobre a figura do treinador da equipa principal.
Neste caso, o saudosismo por seis anos marcantes fala mais alto em certa parcela de adeptos, que defenderão o seu regresso até às ultimas instâncias, apoiando-se no argumento de que nunca viram um SL Benfica tão forte; outros, agarrando-se às estatísticas e ao argumento da paciência obrigatória em projectos como o do Seixal, entregam-se com toda a confiança aos destinos do técnico setubalense.
Seja como for, a história recente do Benfica tem em Jorge Jesus uma figura preponderante, elevando os níveis competitivos da equipa e repondo-a no frontão do futebol português, com a mesma eficácia e regularidade dos anos áureos: trabalho que Rui Vitória e Bruno Lage souberam continuar, com abordagens diferentes e comportamento distinto.
Mas já que aqui estamos, valerá a pena relembrar os jogos capitais da era Jesuíta no reino da Águia – jogos que definiram temporadas e aqueles encontros que demonstraram todo a capacidade do técnico de 63 anos, agora campeoníssimo ao leme do Mengão Flamengo.
1. SL Benfica 8-1 Vitória FC (2009/2010) – Existiam ainda desconfianças várias. Isto apesar da promessa feita por Jesus na sua apresentação, dizendo que a equipa ia… «jogar o dobro» da que fora orientada por Quique Flores.
A pré-época deu sinais nesse sentido, com bom futebol e automatismos a serem criados à velocidade da luz; o 4-1-3-2 que serviria de base para os anos vindouros encaixou na perfeição e o Torneio de Amesterdão foi conquistado com toda a naturalidade.
Porém, nos jogos oficiais, o empate na estreia com o CS Marítimo e a vitória tirada à cabeçada em Guimarães não tinham mostrado ainda a verdadeira força daquele fantástico conjunto de jogadores.
À terceira jornada, o Vitória sadino veio confuso à Luz e os 8-1, com 5-0 ao intervalo, foram espectáculo de enorme calibre, com nota artística em doses industriais. A onda encarnada pode finalmente explodir e levar ao ‘colinho’ uma equipa que só parou de atropelar adversários em Maio, quando chegou ao Marquês.
Eternizado ficou o enorme raspanete de Jorge Jesus à equipa pelo golo sofrido em cima dos 90’, consequência de um desentendimento entre Quim e David Luiz: a confirmação de que a exigência era, definitivamente, outra.
Do outro lado, Carlos Azenha desculpava a derrota com o facto de a equipa estar ainda em… «construção». Ex-adjunto de Jorge Jesus e com ele às avessas, tentou surpreender com o 5-3-2, mas ficou longe do efeito desejado.
Demonstrou desde cedo inaptidão como técnico principal, consolidando a ideia de ser um intelectual do jogo sem propensão para tarefas de comando. Confirma definitivamente ser um erro de casting quando, na jornada seguinte, é derrotado (0-4) pelo U. Leiria em pleno Bonfim.
Fernando Oliveira, presidente de um histórico aflito de dinheiros, mostrou-lhe imediatamente a porta da saída e soltou um famoso desabafo: «Com tantos tremores de terra que já tínhamos, [Carlos Azenha] foi mais um».
2- SL Benfica 5-0 Everton (2009/2010) – Se nas provas nacionais havia já ritmo cruzeiro, uma derrota em Atenas na segunda jornada europeia antevia ultimato britânico na recepção ao Everton FC de David Moyes.
Yakubu, Cahill, Fellaini, Coleman, Howard: os Toffees traziam as estrelas da companhia para Lisboa, apesar de terem a enfermaria cheia. As ausências na defesa até ajudam a explicar o descalabro, mas até Saviola desmanchar estratégias aos 14’, a equipa ainda aguentou o ímpeto benfiquista.
A verdadeira diferenciação de qualidade viria numa entrada de rompante na parte seguinte, com três golos em seis minutos, fixando os 4-0 aos 52 minutos. Se Jorge Jesus e a sua obra de arte eram já apreciados dentro de portas, aquele festival foi o início da recuperação do prestígio internacional que se seguiria nos anos seguintes.
E se antes do jogo o técnico português afirmava não ser «jogo decisivo», certamente outra opinião teve quando preparou a equipa para ir a Inglaterra vencer novamente, por 0-2, e garantir o apuramento para a próxima fase. Demasiado fácil.
3. FC Porto 0-2 SL Benfica (2010/2011) – Era o poderoso FC Porto de André Vilas Boas. Jesus ainda não tinha ganho no Dragão, contava por derrotas os jogos lá realizados e, dois meses antes, tinha sido trucidado quando Roberto encaixou cinco bolas na sua baliza.
Depois da saída de Ramires e a lesão prolongada de Rúben Amorim, o lugar de interior direito estava entregue a um menino chamado Salvio, ainda pouco confortável a compensar defensivamente a equipa. Se o ataque era demolidor, a fragilidade encarnada era aproveitada por equipas mais equilibradas como aquele Porto, num 4-3-3 que engolia Javi García, muitas vezes polícia sinaleiro na enorme estrada em que se tornava aquele meio-campo.
Mas, Jesus aprendeu e demonstrou neste jogo a evolução que teria contornos permanentes nas épocas seguintes: puxou César Peixoto para junto do espanhol, montou um duplo pivot e estancou as transições supersónicas comandadas por Hulk. Não foi certamente apenas por isso a vitória clara naquele dia, mas a capacidade de reinvenção foi fulcral para a evolução subsequente a que se existiu no seu sistema nas épocas seguintes, onde o equilíbrio substituiu a procura despreocupada do golo.
4. Manchester United FC 2-2 SL Benfica (2011/2012) – O Benfica não se qualificava para os oitavos desde 2005, igualmente em derradeiro jogo contra Alex Ferguson. Jesus, depois de fracassar no ano anterior na maior prova, provou ter aprendido com os erros.
Chegado à quinta jornada, o empate era suficiente para as águias se qualificarem e o golo inaugural, aos 3’, mostrou ao que a equipa vinha. Jesus tinha dito na conferência de imprensa que um bom resultado era ganhar e a equipa assim tentou, exibindo-se a grande nível e silenciando Old Trafford em largos períodos do encontro.
Confronto olhos nos olhos com os campeões ingleses, vergando-os a um domínio natural assente na qualidade técnica de Gaitán e Aimar. Umas semanas antes, aquele United tinha atropelado o Arsenal por… 8-2!
5. Juventus FC 0-0 SL Benfica (2013/2014) – Como as grandes epopeias são aquelas em que os heróis derrotam gigantes monstros e ultrapassam incontáveis dificuldades, o herói Benfica não poderia ser diferente.
A grande história começa-se a escrever no dealbar da segunda metade, quando Mark Clattenburg mostra o vermelho a Enzo Pérez. Faltavam 23 minutos para o final e a equipa via-se sem o seu motor, o que obrigou Jesus a mostrar todo o seu manancial táctico: faz entrar Almeida para apoiar Rúben Amorim, e obriga Markovic e Gaitán a acompanharem os alas adversários, locomotivas que faziam girar a engrenagem do 3-5-2 de Conte, que dinamitaria a Premier League anos depois.
A Juventus montou o cerco mas não se pode dizer que tenha feito mossa. Ao posicionamento irrepreensível do… X encarnado, juntou-se a frieza sobrenatural que só Jan Oblak sabia ter em alturas de maior pressão.
Nos descontos, e já com nove jogadores por força da lesão de Garay, o Benfica revelava toda a sua valia numa simples, mas ousada, armadilha de fora-de-jogo: há canto do lado direito para os da casa. Com seis minutos na compensação, todos sobem, até Buffon, no esforço final em procura do golo que dava direito a disputar a final no seu próprio estádio.
Assim que Pirlo cruza, a linha benfiquista avança de forma sincronizada. Há um cabeceamento fraco, Oblak defende para o lado, a bola sobra para Pogba, mas a bandeirola sobe, naturalmente. O craque francês fica confuso; quando se apercebe e olha para trás, já os jogadores encarnados assumiam as posições para o livre indirecto…"
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